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24 dezembro 2023

Eis-me aqui

Tempo de leitura: 8 min
Reflexão do P. Manuel João Correia para o 4.º Domingo do Advento, em que o Evangelho nos apresenta a Anunciação do anjo Gabriel a Maria e o “sim” de Maria.
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Estamos no quarto domingo do Advento, no limiar da porta de entrada para o mistério do Natal. O Evangelho (Lucas 1,26-38) apresenta-nos a Anunciação do anjo Gabriel a Maria. É a terceira vez que ouvimos este evangelho neste Advento: a primeira, na festa da Imaculada Conceição; a segunda, no dia 20 de dezembro; e agora, como preparação imediata para o mistério da Encarnação.

Três mensageiros, três anúncios, três promessas!

Poderíamos dizer que este é o domingo dos anúncios. Três mensageiros - um profeta, um anjo e um apóstolo - trazem-nos três anúncios que são, na verdade, três promessas relativas à “revelação do mistério que estava encoberto desde os tempos eternos, mas agora manifestado e dado a conhecer a todos os povos” (II leitura, Romanos 16,25-27). 

Na primeira leitura (2 Samuel 7), através do profeta Natã, “o Senhor anuncia que te vai fazer uma casa”. Esta promessa é dirigida não só a David, mas a todos e a cada um de nós. Com efeito o Senhor afirma: “Prepararei um lugar para o meu povo de Israel; e nele o instalarei para que habite nesse lugar, sem que jamais tenha receio”. Promete-o a nós, que muitas vezes - com uma mentalidade pagã de servidão à divindade - pensamos que devemos fazer algo por Deus, que devemos construir-lhe uma “casa” (quem sabe, com a intenção secreta de o “confinar” num lugar!). E descobrimos - para nosso espanto! - que é Deus que se põe ao nosso serviço. A nós, os “sem-abrigo”, Deus dá-nos uma casa, onde podemos encontrar descanso, finalmente! Este é o nosso sonho: encontrar uma “casa” em que possamos viver em paz! E habitar nessa casa com o estatuto de filhos e filhas, e não de escravos, porque “o escravo não fica para sempre na casa, mas o filho fica para sempre” (João 8,35). Desejas esta casa ou preferes continuar a vaguear pelas casas dos outros, pagando, muitas vezes, “rendas” insuportáveis?

No Evangelho, é um anjo que vem ter connosco, na nossa humilde Nazaré, uma obscura aldeia dos subúrbios da Galileia, nunca mencionada no Antigo Testamento, para nos convidar a alegrarmo-nos porque o Senhor fixou o seu olhar em nós e nos faz uma promessa: “Conceberás e darás à luz um Filho”. Esta promessa garante-nos que a nossa vida não será estéril, não será vazia, inútil, sem sentido. Teremos uma casa e um futuro: “Ele faz habitar em casa a mulher estéril, como uma alegre mãe de filhos” (Salmo 113,9). 

Na segunda leitura, o apóstolo Paulo diz-nos que este mistério “agora foi manifestado e dado a conhecer a todos os povos”. A história parece caótica, sem um projeto, sem um fim. Quantas vezes nos perguntámos: para onde vai este nosso mundo, teatro de guerras e emaranhado de injustiças? Paulo garante-nos que Deus não abandonou a sua criação às forças destruidoras do caos. O Senhor não se esqueceu do homem, obra das suas mãos. E aqui está o mistério insondável: ele próprio se faz barro para se imiscuir na nossa argila e moldar uma nova humanidade!  

Fixemos agora o nosso olhar no Evangelho. Ele revela-nos o sentido profundo do Natal: o Senhor anuncia-se, quer vir até nós, quer encarnar-se em nós! “De que te serve que Cristo se tenha encarnado, se não se encarnar também na tua vida?” (Orígenes de Alexandria, século III). “Mesmo que Cristo nascesse mil vezes em Belém, mas não nascesse em ti, estarias perdido para sempre!” (Angelus Silesius, místico alemão do século XVII). 

Da tristeza à alegria, do medo à fé!

Tendo entrado onde Maria estava, disse o Anjo: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
A primeira palavra do anjo é Ave!, segundo a versão litúrgica. Em realidade esta é uma tradução infeliz. Não se trata de uma simples saudação, mas de um forte convite à alegria: Alegra-te! Solta gritos de alegria! No Antigo Testamento, este convite nunca é dirigido a uma pessoa, mas a Sião, a Jerusalém, a Israel: “Solta gritos de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, ó Israel! Alegra-te e rejubila-te de todo o teu coração, filha de Jerusalém!” (Sofonias 3,14); “Solta gritos de alegria, regozija-te, filha de Sião. Eis que venho residir no meio de ti!” (Zacarias 2,14). Maria representa todo o povo de Deus. Nela estamos nós. O Senhor encontra-nos muitas vezes tristes ou, pelo menos, sobrecarregados pelo peso da vida. Convida-nos a alegrar-nos, não porque a nossa história mude com um toque da sua varinha mágica, mas porque nos garante que está sempre connosco. 

Ela ficou perturbada com estas palavras e pensava que saudação seria aquela.
E como não ficar perturbado? É algo incrível! Infelizmente, a nós, cristãos, falta-nos essa perturbação e, quando ela não existe, não há sequer espanto e admiração. Tudo se torna banal, dado por adquirido, insignificante!

Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. 
“Não temas” é um convite que Deus dirige muitas vezes à pessoa a quem se revela. Diz-se que encontramos esta garantia de Deus 365 vezes na Bíblia, uma para cada dia do ano. A nossa existência é minada por medos. Medo do presente e medo do futuro! Medo também de Deus, que nos parece demasiado severo e pouco tranquilizador. Os seus anjos, porém, não cessam de nos dizer: “Não temas, porque encontraste graça diante de Deus!”

Eis-me aqui! Hineni!

Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!
“Eis”, “Eis-me aqui!”, “Hineni!” em hebraico. É a resposta de prontidão ao chamamento de Deus. É uma das palavras mais frequentes do Antigo Testamento: 178 vezes (segundo o biblista F. Armellini). O Natal é a convergência de dois “Eis-me aqui”, de dois “Hineni”, o de Deus e o nosso! Ao entrar no mundo, Cristo diz: “Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua vontade” (ver Hebreus 10,5-10 e Salmo 39,8-9). Que não aconteça que o seu “Hineni” não encontre o nosso! É o drama eterno do amor de Deus ignorado: “Ofereci-me àqueles que não me procuravam. “Eis-me aqui, eis-me aqui” – dizia eu a um povo que não invocava meu nome” (Isaías 65,1). 

Exercício espiritual para a semana

Repetir muitas vezes ao longo do dia: Eis-me aqui! Hineni! perante situações ou acontecimentos que nos interpelam e que pressentimos serem uma chamada de Deus.

 

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