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07 janeiro 2024

Muitos baptismos!

Tempo de leitura: 10 min
Reflexão do P. Manuel João Correia para a festa do Baptismo do Senhor, festa do "nascimento" de Jesus pela investidura messiânica e festa do nosso baptismo.
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A Festa do Baptismo do Senhor é como que uma ponte entre as festividades do Natal e o Tempo Comum do ano litúrgico. Por um lado, conclui o tempo do Natal e as suas "epifanias", isto é, as manifestações aos pastores (os pobres), ao velho Simeão e à profetisa Ana (representando o povo de Israel fiel que esperava o Messias) e aos Magos (representando os povos pagãos); por outro lado, entramos no Tempo Comum, do qual esta festa é o primeiro domingo. De facto, a festa do Baptismo celebra uma das três manifestações do Senhor que, nos primeiros séculos, estavam incluídas na festa da Epifania: a vinda dos Magos, o batismo de Jesus e as bodas de Caná. Passamos de um Jesus bebé de menos de dois anos para um Jesus adulto de trinta anos.

O significado profundo do baptismo do Senhor

Hoje, habituados a ouvi-lo, não nos damos conta do escândalo que foi para os primeiros cristãos o facto de Jesus, aquele que não tinha pecado, ter começado a sua missão como discípulo de João Baptista, sendo baptizado por ele nas águas do Jordão.

Porque é que Jesus se deixou baptizar? Três razões podem ser apontadas. A primeira: Jesus está "lá" onde percebe que Deus está a agir. É por isso que, ouvindo os ecos da voz do Baptista, deixa Nazaré e vai para "Betânia, além do Jordão, onde João baptizava" (João 1,28). 

Porque é que Jesus foi baptizado? Três razões podem ser apontadas. A primeira: Jesus está "lá" onde percebe que Deus está a agir. É por isso que, ouvindo os ecos da voz do Baptista, deixa Nazaré e vai para "Betânia, além do Jordão, onde João baptizava" (João 1,28). Segundo: Jesus chega não como um privilegiado, mas em solidariedade com os seus irmãos. Terceiro: Jesus, desde o início da sua missão, manifesta a sua opção de estar entre os pecadores, até ao ponto de ser considerado um deles e morrer entre dois malfeitores.

O episódio do baptismo de Jesus é de uma importância singular, um ponto de viragem na vida do Senhor, tanto que no evangelho de Marcos (1,7-11), o primeiro dos evangelhos, constitui o início da sua missão: "Início do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus" (1,1). (É como se) o que aconteceu antes não tenha importância. É "hoje" que o Messias se apresenta na cena mundial. "Hoje" ele é ungido como o "Cristo" ("o ungido") do Senhor. "Hoje" Jesus toma consciência - humanamente falando - da sua missão. "Hoje", poderíamos dizer, "nasceu para nós o Salvador, que é Cristo Senhor" (cf. Lc 2,11), segundo o que diz o salmista: "Tu és meu filho, eu hoje te gerei" (Sal 2,7).

O relato de Marcos, na sua essencialidade e aparente simplicidade, é de grande significado, porque nos apresenta Jesus numa "epifania" trinitária. Hoje, de certa forma, é a epifania da Santíssima Trindade. Os céus estão a abrir-se, depois de séculos sem profetas, durante os quais os céus pareciam estar fechados, e Deus responde finalmente à súplica do seu povo: "Ah, se rasgasses os céus e descesses! (Isaías 63,16-17).

Hoje, festa do Baptismo do Senhor, festa do seu "nascimento" pela investidura messiânica, é também a festa do nosso baptismo. Hoje, os céus rasgam-se para nós, o Espírito vem habitar os nossos corações, e o Pai faz ouvir a sua voz, dizendo a cada um de nós: "Tu és o meu Filho, o Amado!"; "Tu és a minha Filha, a Amada!

Três testemunhas, três baptismos

"Três são os que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue, e estes três concordam" (segunda leitura, 1 João 5,1-9). Três testemunhas concordantes que dão testemunho do amor de Deus por nós! Três testemunhos que provêm de três "baptismos": o da água ("Eu baptizei-vos com água..."), o do Espírito ("Ele baptizar-vos-á no Espírito Santo") e o do sangue ("Tenho um baptismo no qual serei baptizado, e como estou angustiado até que ele se realize!", Lucas 12,50). Mas é o Espírito Santo que une e torna uno e verdadeiro este "tríplice baptismo": "E é o Espírito que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade. Sem o Espírito, o baptismo na água não passa de um baptismo de João, uma mera expressão do nosso desejo de renascimento. Sem o Espírito, o "baptismo de sangue", o do martírio, do testemunho, não é possível. Sem o Espírito, não nasceríamos de novo e estaríamos ainda sob o domínio da Lei.

Os muitos "baptismos

Há algumas décadas falava-se de "cristãos anónimos", expressão criada pelo grande teólogo Karl Rahner (+1984) para designar aqueles que são salvos pela graça de Cristo, mesmo estando fora da comunidade cristã (cf. LG 16 e GS 22). Hoje, infelizmente, poderíamos falar de cristãos que se tornaram "anónimos", porque perderam o seu nome de "cristãos" e já não se lembram do "Nome" em que foram baptizados. Isto deve-se a uma fé adormecida e não vivida, à indiferença ou mesmo à apostasia. Deus queira que o Nome do Cordeiro que levamos na nossa testa (ver Apocalipse 14:1) nunca seja substituído pelo número massificador da "besta"! (ver Apocalipse 13,12-18).

Na realidade, a humanidade não está dividida entre crentes e não crentes, mas entre crentes e idólatras. Tal como Paulo questionou em Éfeso doze seguidores do Baptista, também nós poderíamos ser questionados: "Que batismo recebestes?" (Actos dos Apóstolos 19:3). Sim, porque todos nós somos "baptizados", isto é, "mergulhados" (etimologicamente, baptismo significa imersão!) na realidade onde acreditamos encontrar a vida, a felicidade, o sentido da existência. Alguns são baptizados/imersos no Oceano infinito do Amor de Deus, onde correm os mil rios de amor, nas suas diferentes expressões de solidariedade, compaixão, justiça, doação.... Outros, pelo contrário, arriscam-se a viver baptizados/imersos no mar poluído dos negócios, do dinheiro, da injustiça do egoísmo... Que baptismo recebeste?

A que fonte sacias a tua sede?

A água-viva em que fomos regenerados torna-se também a fonte à qual voltamos para saciar a nossa sede: "Ó povo sedento, vinde à água!" (primeira leitura, Isaías 55,1-11). O nosso batismo é uma fonte de frescura, de juventude, de alegria. "Tiraremos com alegria das fontes da salvação!", proclama o refrão do hino escolhido como salmo responsorial (Isaías 12,1-6). Infelizmente, porém, muitas vezes saciamos a nossa sede em fontes envenenadas. 

Apresento-vos uma história, lida não me lembro onde.

Numa certa aldeia, aconteceu que a fonte onde as pessoas iam buscar água, por qualquer razão, ficou contaminada e, sem que as pessoas se apercebessem, todos começaram a ficar loucos. Então, Deus disse a um santo eremita que fosse à aldeia avisar toda a gente que a fonte no meio da praça estava envenenada e os estava a enlouquecer a todos. Mas os seus companheiros de aldeia não lhe deram qualquer crédito e começaram a troçar dele: "Então, segundo o senhor, todos nós somos loucos e o senhor é o único sensato! E quanto mais ele os alertava, mais eles zombavam dele. A certa altura, as autoridades da aldeia consideraram que o eremita era um perigo para todos e decidiram condená-lo à morte. Na iminência de ser morto, o eremita exprime um último desejo: beber água da fonte! Como um último desejo nunca é recusado, trouxeram-lhe a água. O eremita bebeu e - oh prodígio! - começou a raciocinar como eles. Considerando-o "curado", pouparam-lhe a vida!

Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça!

Exercício espiritual da semana 

1) Começa o teu dia mergulhando, de cada vez, nas águas regeneradoras do teu baptismo, através do sinal da cruz.

2) Abrir a Bíblia e meditar o texto da primeira leitura: Isaías 55,1-11.

 

P. Manuel João Pereira Correia, mccj

 

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