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29 julho 2023

Onde está o teu tesouro?

Tempo de leitura: 7 min
Reflexão do P. Manuel João Pereira Correia, missionário comboniano, para o 17.º Domingo do Tempo Comum, sobre as parábolas o tesouro escondido, o negociante de pérolas e a rede que apanha toda a espécie de peixes.
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Ano A - 17o Domingo do Tempo Comum
Mateus 13,44-52

 

Neste domingo concluímos a leitura do capítulo 13 do evangelho de Mateus, o terceiro discurso de Jesus, no qual ele apresenta o Reino de Deus através de sete parábolas. Hoje apresenta-nos as três últimas, contadas aos apóstolos: o tesouro escondido, o negociante de pérolas e a rede que apanha toda a espécie de peixes. As duas primeiras são semelhantes e falam-nos da alegria daqueles que descobriram o Reino. A terceira é semelhante à do trigo e do joio de domingo passado, ou seja, fala da coexistência do bem e do mal. 

 

Quem são os buscadores de tesouros e pérolas?

O reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo. O homem que o encontrou tornou a escondê-lo e ficou tão contente que foi vender tudo quanto possuía e comprou aquele campo”.

As histórias de tesouros são sempre cativantes, tanto hoje como no tempo de Jesus. Numa terra muitas vezes palco de guerras, era comum esconder as riquezas quando o inimigo chegava, enterrando-as no campo ou no chão da casa antes de fugir, na esperança de as recuperar mais tarde, o que nem sempre acontecia. Ainda hoje acontece os arqueólogos encontrarem “tesouros” de moedas durante as escavações. Ora, este pobre agricultor da parábola é um dos felizardos que, por um golpe de sorte, encontra a grande oportunidade da sua vida e não a deixa escapar: cheio de alegria, vende todos os seus bens para comprar aquele campo! 

O reino dos Céus é semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Ao encontrar uma de grande valor, foi vender tudo quanto possuía e comprou essa pérola”.

No Oriente, as pérolas eram consideradas o bem mais precioso, como os diamantes para nós. Eram o símbolo da beleza, daí que “Peniná”, “Pérola”, fosse também um nome dado às raparigas (ver 1 Samuel 1,2). O negociante da parábola andava à procura destas pérolas e, quando encontrou uma de grande valor, também ele não hesitou em vender todos os seus bens para a comprar.

Ambos, o pobre camponês e o rico comerciante, têm o mesmo comportamento: encontram, vão, vendem tudo e compram. Mas enquanto o camponês encontra o tesouro por um golpe de sorte, o comerciante encontra a pérola, talvez após uma longa busca. 

Nós somos esses buscadores de tesouros e pérolas, de riqueza e beleza, de perfeição e infinito. A nossa vida é um campo semeado de tesouros escondidos debaixo dos nossos pés, mas a lama impede-nos de os ver. A nossa vida é um bazar de pérolas, mas demasiado empoeiradas para perceber o seu esplendor. E acontece também que sacrificamos tudo, a vida e a alma, deslumbrados por um falso tesouro, para nos encontrarmos com um punhado de moscas nas mãos.

 

O que são o tesouro e a pérola?

O que é esse tesouro ou essa pérola? Para Salomão, é a Sabedoria (primeira leitura). Para o salmista, é a Lei, a Torah (Salmo 118). Para São Paulo, é a vocação cristã (segunda leitura). Para Jesus, é o Reino. Mas poderíamos refletir sobre as duas parábolas, alargando as suas perspectivas.

O tesouro é, antes de mais, Cristo. Por ele, os apóstolos renunciaram a tudo, e muitos outros o fizeram depois deles. Paulo considerava tudo como lixo em comparação com Cristo (Filipenses 3,8). Muitos cristãos estão prontos a dar a vida para não o perderem. Mas há também aqueles que não descobriram este tesouro nele, como o jovem rico que se afastou triste. Como Judas, que o vendeu por trinta moedas. Como muitos cristãos que, de facto, talvez nunca o tenham encontrado e por isso facilmente o trocam por uma 'quinquilharia' qualquer. 

Também nós somos o tesouro, a pérola que Cristo encontrou no campo ou no mercado do mundo. É por isso que Cristo nos resgatou “não a preço de coisas corruptíveis, como a prata e o ouro... mas com o seu precioso sangue” (1 Pedro 1,18-19).

Pérolas ou tesouros são também as pessoas que nos rodeiam, embora escondidos por detrás dos seus limites, defeitos e misérias.  

 

Onde encontrar o tesouro?

Onde e como encontrar o tesouro ou a pérola? Não é preciso ir longe, atravessar mares e montanhas, subir aos céus ou descer às profundezas... (Deuteronómio 30,11-14). Mas deixem-me contar-vo-lo através duma história chassídica (o chassidismo é um movimento espiritual judaico): a história do rabino Eisik, filho do rabino Jekel de Cracóvia. 

Após anos e anos de dificuldades, que não tinham abalado a sua confiança em Deus, recebeu em sonho a ordem de ir a Praga procurar um tesouro debaixo da ponte que conduzia ao palácio real. Quando o sonho se repetiu pela terceira vez, Eisik pôs-se a caminho e chegou a Praga a pé. Mas a ponte era vigiada dia e noite por sentinelas e ele não teve coragem de escavar no local indicado. No entanto, regressou à ponte todas as manhãs, percorrendo-a até ao fim da tarde. Por fim, o capitão dos guardas, que tinha reparado nas suas idas e vindas, aproximou-se dele e perguntou-lhe amigavelmente se tinha perdido alguma coisa ou se estava à espera de alguém. Eisik contou-lhe o sonho que o tinha trazido do seu país distante. O capitão desatou a rir: “E tu, pobre coitado, vieste até aqui a pé por causa de um sonho? Ha, ha, ha! Estás bem arranjado se confias em sonhos! Então eu também para seguir um sonho que tive devia ter ido até Cracóvia, à casa de um judeu, um tal Eisik, filho de Jekel, para procurar um tesouro debaixo da sua lareira! Eisik, filho de Jekel, estás a brincar? Estou a ver-me a entrar e a vasculhar todas as casas de uma cidade onde metade dos judeus se chama Eisik e a outra metade Jekel!” E voltou a rir-se. Eisik despediu-se dele, voltou para a sua casa e desenterrou o tesouro escondido debaixo da sua lareira!
Há algo que não se pode encontrar em parte alguma do mundo e, no entanto, há um lugar onde se pode encontrar: lá onde nós nos encontramos!
(de Martin Buber, “O caminho do homem”)

P. Manuel João Pereira, comboniano

 

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