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05 agosto 2023

A festa da Transfiguração

Tempo de leitura: 7 min
Reflexão do P. Manuel João Pereira Correia, missionário comboniano, para a festa da Transfiguração do Senhor, a «Páscoa do Verão» no tempo «entretanto».
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A liturgia interrompe a leitura do Evangelho de Mateus, que estamos a seguir nestes domingos do Tempo Comum, para celebrar a festa da Transfiguração do Senhor, no dia 6 de Agosto. Trata-se de uma festa particularmente cara à Igreja Oriental, que lhe chama a “Páscoa do Verão”, uma das doze solenidades do calendário litúrgico bizantino. Porquê 6 de Agosto? Porque, segundo a tradição, a transfiguração de Jesus teve lugar 40 dias antes da sua crucificação. Ora, tal como celebramos a festa da Exaltação da Santa Cruz a 14 de Setembro, a Transfiguração foi fixada 40 dias antes. Enquanto o Oriente sublinhou a importância desta festa, o Ocidente negligenciou-a bastante. Actualmente, há necessidade de a reavaliar. Recordemos que foi incluída nos “mistérios luminosos” do rosário. Teilhard de Chardin chamou-lhe “o mais belo mistério do cristianismo”, porque é a primícia de um universo transfigurado que se tornou “crístico”.

A Transfiguração segundo São Mateus (17,1-9)

Os três evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) apresentam este episódio em termos semelhantes. A liturgia oferece-nos a versão de Mateus, o evangelho que estamos a ouvir neste ano litúrgico (ciclo A).

Onde se passa. Os evangelhos falam de “um monte”. Segundo a tradição, trata-se do Monte Tabor, que se encontra isolado na planície da Galileia. Mateus fala de “um monte alto”. Sabemos que o monte tem um valor simbólico de proximidade de Deus. Mateus dá especial importância aos “montes”. Este seria o quinto dos sete montes do seu evangelho. 

O contexto deste acontecimento. O contexto deste acontecimento parece ser o da festa judaica das Tendas ou dos Tabernáculos (Sukkot), que comemora os 40 anos de Israel no deserto. Durante sete dias viviam em cabanas ou tendas. É por isso que a proposta de Pedro “Farei aqui três tendas” não é o “disparate” de um Pedro balbuciante, mas o desejo de ficar ali e celebrar a festa que decorria naqueles dias. Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas (no tempo de Jesus, a expressão “Moisés e os Profetas” significava toda a Escritura) em diálogo com a Palavra final. Mas ambos, Moisés e Elias, estão ligados também ao Sinai ou Horeb. Este “monte alto” torna-se, portanto, o novo Sinai!

Uma epifania de Cristo e da Trindade. Por fim, é evidente que se trata de um relato que revela o Cristo glorioso, uma antecipação da ressurreição. Pedro, Tiago e João, testemunhas privilegiadas da paixão, conduzidos por Jesus a este monte, são introduzidos no mistério da sua pessoa. É também uma epifania trinitária, semelhante à do baptismo, em que o Pai faz ouvir a sua voz e o Espírito se manifesta através da nuvem luminosa e da sua sombra.

Como podemos ver, são muitas as pistas de meditação e de oração que este Evangelho nos oferece. Limitar-me-ei a duas reflexões.

A Transfiguração e o “entretanto” em que vivemos

Esta festa, a “Páscoa do Verão”, recorda-nos que vivemos no tempo do.... “entretanto”, do “meio tempo”, do provisório! É o tempo do homem, entre o nascimento e a morte, vivido na esperança de alcançar uma certa plenitude estável (felicidade). 

O “entretanto” é também o tempo do crente, vivido entre duas Páscoas, a de Cristo e a nossa no fim dos tempos. A Transfiguração ilumina este “entretanto”, não para o suprimir, mas para o alimentar. O nosso desejo seria o de alcançar imediatamente a paz, a alegria, a vida, a felicidade do tempo definitivo: “Senhor, é bom estarmos aqui! Vamos montar aqui as nossas tendas!” Não! Temos de descer ao vale! Então para que serve essa visão? “Sobe-se, vê-se, desce-se. Depois já não se vê mais. Mas já se viu. Há uma arte de nos guiarmos nas regiões mais baixas [da planície] com a memória do que vimos nas regiões mais altas. Quando já não se pode ver, ainda se pode saber, pelo menos, que há coisas lá em cima” (René Daumal, filósofo e poeta surrealista francês).

A Transfiguração, epifania da beleza

A humanidade procura a beleza, em todas as suas formas. Atualmente, mais do que nunca, aumentam os cuidados com o corpo, as operações estéticas, a atenção ao ambiente... Mas, em contraste com esta tendência, aumenta a exploração da natureza, a miséria de certos meios urbanos, a indiferença perante o crescimento da pobreza... O nosso tempo é um tempo de “transfiguração” ou de... “desfiguração”?

Em 6 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram a primeira bomba atómica sobre Hiroshima e, três dias depois, sobre Nagasaki, onde viviam 70 % dos japoneses católicos. A Segunda Guerra Mundial terminava assim de forma atroz e começava a atual era atómica. No dia da Transfiguração, o homem iniciou a era da “desfiguração” maciça dos seus semelhantes, e ninguém sabe onde isso o levará! 

Jesus, “o mais belo entre os filhos do homem” (Salmo 44,3), veio revelar-nos a verdadeira beleza. Não se trata de uma beleza sedutora, mas de uma beleza transfigurada, pascal, a do “Belo Pastor” (João 10,11-18), que dá a vida pelo rebanho. Esta beleza é por vezes velada, irreconhecível, como a do Servo de Javé, “o homem das dores... diante do qual se cobre o rosto” (Isaías 53,3). Só contemplando a beleza do amor crucificado é que podemos, por nossa vez, ser transfigurados e testemunhar a verdadeira beleza que transfigurará o mundo. 

Para refletir e rezar.

Aprofundar esta extraordinária afirmação de São Paulo: “Todos nós, com o rosto descoberto, reflectindo como um espelho a glória do Senhor, estamos a ser transformados nessa mesma imagem, de glória em glória, segundo a ação do Espírito do Senhor” (2 Coríntios 3,18).

Graça para pedir: “Deixa-me ver o teu rosto” (Salmo 27); “Mostra-me a tua glória” (Êxodo 33,18-23).

P. Manuel João Pereira, missionário comboniano

 

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