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19 novembro 2023

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar»

Tempo de leitura: 6 min
Na mensagem para o VII Dia Mundial dos Pobres (19 de Novembro), o Papa Francisco exorta a não desviar o olhar de quem está em dificuldade, nomeadamente as crianças que vivem em zonas de guerra, os que não conseguem sobreviver e os que são explorados no trabalho.
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Francisco durante o almoço com os pobres por ocasião do Dia Mundial dos Pobres de 2022, Sala Pablo VI, Vaticano (© Lusa/EPA/Riccardo Antimiani)

 

Francisco começa por sublinhar que este dia está a «alentar o caminho» das comunidades que «progressivamente» estão a radicar esta «ocorrência» na «pastoral da Igreja, fazendo-a descobrir cada vez mais o conteúdo central do Evangelho».

A partir do livro de Tobias, Francisco vai buscar o título da sétima mensagem que escreve para este dia: «Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tobias 4,7). O papa explica que «Tobit, no período da provação, descobre a própria pobreza, que o torna capaz de reconhecer os pobres. [...] Por isso, as palavras que dirige ao filho Tobias constituem a sua verdadeira herança: “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar”. Enfim, quando nos deparamos com um pobre, não podemos virar o olhar para o lado oposto, porque impediríamos a nós mesmos de encontrar o rosto do Senhor Jesus.» Neste sentido, o papa desafia os católicos a convidar para o almoço de domingo um pobre para partilhar a refeição e o sentido da celebração da eucaristia.

Ser samaritano

O papa critica o momento histórico que «não favorece a atenção aos mais pobres». E pontualiza que «o volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto, enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza. Tende-se a ignorar tudo o que não se enquadre nos modelos de vida pensados sobretudo para as gerações mais jovens, que são as mais frágeis perante a mudança cultural em andamento. Coloca-se entre parênteses aquilo que é desagradável e causa sofrimento, enquanto se exaltam as qualidades físicas como se fossem a meta principal a alcançar».

Francisco critica, igualmente, o facto de as pessoas mais pobres se tornarem «imagens» cuja «pressa diária impede de parar, socorrer e cuidar do outro». E acrescenta que «a parábola do bom samaritano não é história do passado; desafia o presente de cada um de nós. Delegar noutros é fácil; oferecer dinheiro para que outros pratiquem a caridade é um gesto generoso; envolver-se pessoalmente é a vocação de todo o cristão».

 

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Um sem-abrigo na Polónia (© 123RF)

 

Pobreza, cenários de guerra e desordem ética

Francisco lamenta as novas formas de pobreza causadas pela guerra. «Penso de modo particular nas populações que vivem em cenários de guerra, especialmente nas crianças privadas dum presente sereno e dum futuro digno».

Lembra «as especulações, em vários sectores, que levam a um aumento dramático dos preços, deixando muitas famílias numa indigência ainda maior», mas também a «desordem ética» no mundo do trabalho que provoca a «precariedade» e o «lucro imediato». «Os salários esgotam-se rapidamente, forçando a privações que atentam contra a dignidade de cada pessoa», salienta.

O papa acredita que apesar «dos limites e lacunas da política», a solidariedade e a subsidariedade dos cidadãos podem contribuir para um empenhado serviço aos pobres, […] indicando que quem vive em situação de pobreza «deve ser envolvido no processo de mudança e responsabilização».

Agir com e pelos pobres

Francisco deixa uma palavra de apreço a homens e mulheres que se dedicam aos pobres e excluídos. E sublinha que «não são super-homens, mas “vizinhos de casa” que encontramos cada dia e que, no silêncio, se fazem pobres com os pobres. Não se limitam a dar qualquer coisa: escutam, dialogam, procuram compreender a situação e as suas causas, para dar conselhos adequados e indicações justas. Estão atentos tanto à necessidade material como à espiritual, ou seja, à promoção integral da pessoa».

A mensagem papal frisa, ainda, que «é fácil cair na retórica» ou «parar nas estatísticas e nos números» quando falam sobre os pobres. Lembra que «os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles».

«O Livro de Tobias ensina-nos a ser concretos no nosso agir com e pelos pobres. É uma questão de justiça que nos obriga a todos a procurar-nos e encontrar-nos reciprocamente», escreve o papa. «Portanto, interessar-se pelos pobres não se esgota em esmolas apressadas; pede para restabelecer as justas relações interpessoais que foram afetadas pela pobreza. Assim “não afastar o olhar do pobre” leva a obter os benefícios da misericórdia, da caridade que dá sentido e valor a toda a vida cristã». 

 

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