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27 novembro 2023

Evangelizar com alegria

Tempo de leitura: 7 min
O padre João Mponda, jovem missionário comboniano moçambicano, partilha a sua experiência vocacional e o trabalho evangelizador que realiza no Equador, país latino-americano onde se encontra há um ano.
P. João Mponda
Missionário comboniano
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(O padre João Mponda numa celebração do baptismo, no Equador)

 

O Senhor realmente chama em qualquer momento e a qualquer hora. Eu nasci numa família católica, mas nunca me tinha passado pela cabeça entregar a vida ao serviço da vinha do Senhor. Mas as coisas foram diferentes e surpreendentes. Tudo começou com a minha paixão pelo futebol. No meu bairro, existia um único campo de futebol e pertencia à paróquia. Uma das condições que os padres de Burgos, responsáveis da paróquia, punham aos jovens que queriam frequentar o campo era que tinham de participar na celebração dominical da eucaristia. Fui, literalmente, obrigado a participar na missa para poder jogar! E foi num desses domingos que durante a celebração se proclamou a leitura de Isaías 6,8: «Então ouvi a voz do Senhor, conclamando: “Quem enviarei? Quem irá por nós?” E eu respondi: Eis-me aqui. Envia-me!» Esta palavra chegou-me ao coração e tocou-me profundamente! Senti-me convidado a responder pessoalmente a essa interpelação de Deus.

Comecei, então, a participar activamente nas actividades paroquiais e depois do baptismo e do crisma, senti o chamamento à vocação missionária. Decidi fazer o discernimento vocacional com os Missionários Combonianos.

Finalizados os estudos secundários, ingressei na primeira fase de preparação para a vida religiosa-missionária, o chamado postulantado. Em 2009, iniciei os estudos filosóficos, no seminário da Matola.

Em 2012, vim para Santarém, Portugal, para fazer os dois anos de noviciado. Terminada esta fase e feitos os primeiros votos religiosos, parti para Lima, Peru, para estudar Teologia.

 

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O padre João com um grupo de crianças indígenas do Equador

 

O desafio da missão

Fui ordenado sacerdote no dia 30 de Janeiro de 2021. Pouco depois fui destinado ao Equador, país andino onde estou há um ano. Trabalho no Vicariato Apostólico de Esmeraldas, na paróquia de São Lourenço Mártir, no município que tem o mesmo nome. O município de São Lourenço conta, aproximadamente, com 57 mil habitantes, maioritariamente afro-equatorianos, e uma população minoritária indígena e mestiça.

Tendo em conta esta heterogeneidade populacional, a actividade pastoral tem uns contornos particulares. Sou o responsável das três zonas pastorais rurais da missão comboniana de São Lourenço, que engloba trinta e três comunidades. Estas estão localizadas em três regiões bem díspares geográfica e culturalmente: litoral, onde se encontra sobretudo a população afro-equatoriana; selva, onde vive a população indígena; ilhas, onde reside a população mestiça.

Evangelizar nestas zonas é sempre um grande desafio. É difícil visitar as comunidades, sobretudo as comunidades indígenas e as ilhas, pois usamos pequenas canoas. No caso das aldeias indígenas, ainda é necessário fazer longas caminhadas, que duram de três a quatro horas. As principais actividades pastorais que fazemos são a formação dos catequistas e líderes locais, a formação bíblica, cursos para jovens e adolescentes sobre os valores cristãos e aulas de música para a juventude. Ultimamente, lançámos uma iniciativa denominada «intercâmbio juvenil», que consiste numa troca de experiências entre os jovens das distintas zonas mediante a organização de um campeonato de futebol em que os jogadores são afros, indígenas e mestiços. Estes eventos permitem o conhecimento mútuo e uma maior socialização entre os membros das comunidades.

Com estas actividades formativas e lúdicas procuramos valorizá-los como pessoas e fomentar uma vida onde os valores humanos e cristãos, nomeadamente a fraternidade, a tolerância e o respeito, estão presentes. Desse modo, têm as ferramentas para fazer opções conscientes na sua vida e não se deixarem levar pelos caminhos fáceis da delinquência, da criminalidade e das drogas.

 

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(O padre João durante um dos cursos de formação cristã)

 

Confiança em Deus

A realidade da missão em São Lourenço, assolada pela situação da pobreza, insegurança, delinquência generalizada, em quase todas as comunidades rurais onde estamos presentes, parece dizer-nos que o nosso labor é uma batalha perdida. No entanto, sem perder a esperança, estamos chamados a perseverar e a implorar a graça de Deus, como escreveu São Daniel Comboni: «Quantas dificuldades não teremos de enfrentar antes de habituar este povo às ideias e costumes do Evangelho» (Escritos, 6661). De facto, a nossa proximidade a estas comunidades dá conforto e esperança às pessoas. A nossa presença diz-lhes que estamos juntos na luta, que não os abandonamos apesar da dura situação que vivem.

O compromisso que os Missionários Combonianos temos com estas comunidades de povos afro-descendentes, indígenas e mestiços leva-nos a partilhar a vida com essas pessoas concretas e a entregar a nossa vida ao seu serviço com alegria e disponibilidade. Não o fazemos pelo seu aspecto físico ou pelas satisfações que nos possa dar esse trabalho, mas sim por serem pessoas com a dignidade indelével de serem filhos e filhas de Deus. Se conseguirmos ajudar alguém a melhorar a sua vida e a sonhar com um futuro melhor, isso já justifica a nossa entrega de vida.

Para mim, é muito bonito viver e partilhar a vida e a fé com estas pessoas, juntos como povo fiel de Deus, pois, como afirma o Papa Francisco, «ganhamos plenitude quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes!» (Evangelii Gaudium, 274).

Estou convencido de que é nessas comunidades cristãs – pobres, mas cheias do Espírito Santo – que vão surgir as distintas vocações para o serviço eclesial, incluindo os homens e mulheres que, em nome da Igreja, partem para testemunhar a alegria do Evangelho com os povos de todo o mundo.  

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