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25 dezembro 2023

Natal: Vida em plenitude

Tempo de leitura: 9 min
Hoje celebramos o Natal, que nos recorda a história de amor e salvação que Deus realiza na família de Nazaré e em toda a família humana. É uma oportunidade para reflectir sobre a necessidade de ser construtores de comunhão e testemunhas de Jesus, a Luz que quer iluminar todos os povos.
Bernardino Frutuoso
Director
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(© 123RF)

 

O Natal é a festa do nascimento de Jesus, o momento sublime em que Deus monta a sua morada no meio de nós e vem caminhar connosco. É a festa de Maria, que soube dizer «sim» ao plano de Deus e passou a trazer no seu seio o Filho do Altíssimo. É a festa de José, pai de coração de Jesus, que soube discernir a sua vocação e aceitar plenamente os desígnios de Deus, amando, protegendo e educando aquele menino que seria conhecido como o «filho do carpinteiro». Natal é a festa do amor, da aliança definitiva de Deus com a Humanidade, lembrando-nos que na medida em que crescemos como pessoas e humanizamos este mundo tão desumanizado, na mesma medida encontramos Deus.

Processo de humanização e comunhão

A Encarnação do Verbo é o mistério central da nossa fé e situa a religião como uma relação inaudita de proximidade entre Deus e a Humanidade. São João escreve que «ninguém jamais viu a Deus. O Filho único que o Pai nos deu a conhecer» (Jo 1, 18). No Natal celebramos o Deus que se tornou humano em Jesus e, naquele menino inocente, que nasceu na pobreza, contemplamos o rosto da ternura e da misericórdia de Deus. Por isso, quando Filipe, um dos primeiros discípulos, pediu a Jesus que lhes mostrasse o Pai, Ele respondeu claramente: «Filipe, quem me vê, vê a Deus» (Jo 14, 8-10).

O nascimento de Jesus, o Filho amado de Deus feito homem, é uma afirmação da humanização de Deus e da divinização do homem e da mulher, criados à imagem e semelhança de Deus. Somos convidados a tornarmo-nos semelhantes a Ele, filhos de Deus, aceitando que em cada rosto humano está impressa a imagem de Jesus, «o primogénito de muitos irmãos» (Rom 8, 29). Nessa perspetiva, somos chamados a assumir em plenitude a nossa vocação à fraternidade, à amizade universal e à comunhão (que inclui quatro dimensões: a comunhão com Deus, connosco próprios, com a Natureza e com os irmãos).

A vocação floresce na família

Jesus nasceu numa manjedoura, num ambiente escuro e malcheiroso, rodeado de animais, mas experimentou o calor de uma família e o amor dos seus pais. Os pastores, que foram as primeiras testemunhas do nascimento de Jesus, chegaram alegres e expectantes com o anúncio do anjo e encontraram-se diante de uma família: mãe, pai e um filho recém-nascido. Sem lugar na hospedaria, Jesus encontrou, no calor humano e divino de Maria e José, a sua verdadeira tenda de abrigo, para «acampar» no meio de nós (cf. Jo 1, 14). Mas essa estabilidade durou pouco. Perseguido por Herodes, a sua família teve de fugir para o Egipto, onde José e Maria viveram como migrantes, cuidando-o e protegendo-o. De regresso a Nazaré, Jesus cresceu em «sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens» (Lc 2,52). Aprendeu a Lei, assimilou o sentido da Aliança de Javé com o seu povo, conheceu nas Escrituras um Deus justo, bom e misericordioso, solícito com a Humanidade. Aprendeu no lar a alegria de uma vida simples, o serviço desinteressado e o amor ao próximo. Foi em Nazaré que começou, disse o Papa Francisco em 2014, a «história mais santa e mais bela», a de Jesus entre a Humanidade; e naquela periferia de Israel, Cristo permaneceu durante trinta anos, aparentemente «desperdiçados». Três décadas em que «não se fala de milagres ou curas, de pregações – não fez nenhuma naquele tempo, de multidões que acorriam; em Nazaré tudo parece decorrer normalmente, segundo os costumes de uma família israelita piedosa e trabalhadora». E foi no lar que «Jesus cultivou durante trinta anos a sua vocação, para a qual o Pai o tinha enviado. Jesus nunca perdeu a coragem, nesse tempo, mas cresceu com coragem para seguir em frente na sua missão».

A maioria de nós nascemos numa família crente, fomos baptizados e crescemos aprendendo e vivendo os valores propostos pelo Evangelho: amor, solidariedade, paz, justiça, fraternidade. É nesse ambiente familiar, em que nos sentimos amados por Deus e os nossos pais e familiares, que floresce a vocação específica de cada um. E é no âmbito da comunidade humana e eclesial com que nos relacionamos que podemos discernir e desenvolver a nossa vocação pessoal, inclusive a vocação à vida consagrada e missionária. Como escreve o Papa Francisco na mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações deste ano: «O dom da vocação é como uma semente divina que germina no terreno da nossa vida, abre-nos a Deus e abre-nos aos outros para partilhar com eles o tesouro encontrado. Esta é a estrutura fundamental daquilo que entendemos por vocação: Deus chama amando, e nós, agradecidos, respondemos amando.»

 

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O padre José Tenías, missionário comboniano, no Gana. Milhares de homens e mulheres são hoje, no mundo, alegres testemunhas da Luz que brilhou em Belém

 

Natal é missão

Jesus, o menino que nasceu pobre num pesebre, marcou a História da Humanidade e a vida de muitas pessoas ao longo dos séculos. Hoje, continua a cativar muitos homens e mulheres, que estão dispostos a segui-Lo e a testemunhar no quotidiano a Boa Notícia do Natal. Uma dessas pessoas é o irmão Paulo Félix Ferreira, missionário comboniano, que sentiu o chamamento de Deus para servir a missão e este mês dá graças a Deus pelos seus vinte e cinco anos de consagração religiosa perpétua.

Ele conta: «Para mim, a vida missionária e este procurar caminhar cada dia ao ritmo de Jesus não foi sempre fácil. Não foi fácil porque a consagração religiosa não é um simples dizer sim a Deus e à missão. A consagração exige fidelidade, coerência, muita oração, amizade com Jesus e um amor sincero aos irmãos.

Assim, celebrar vinte e cinco anos de vida consagrada é um convite a cantar na minha vida as maravilhas de Deus. É sentir-me convidado a cantar o meu Magnificat a Deus, pela sua confiança e bondade para comigo, diante da minha pequenez e apesar das minhas infidelidades.»

E lembra alguns dos momentos destes anos de missão ao serviço dos mais pobres e abandonados: «O acontecimento mais marcante nesta minha caminhada foi o Ano Comboniano de Formação Permanente na África do Sul. Foi um tempo de graça porque me ajudou a fazer uma radiografia do meu caminho com Jesus, encontrar-me comigo e redescobrir como Deus se foi manifestando em mim e por meio de mim e de como o encontrei no meu encontro com os meus irmãos e irmãs, tanto na Zâmbia como no Maláui, nas escolas de artes e ofícios, bem como nas visitas às comunidades cristãs.

A África do Sul também ficou gravada no meu coração porque viver aquele ano de graça identificou-me com este povo a viver um passo histórico de reconciliação. E por isso, não posso esconder a felicidade de ter sido convidado para continuar a consagrar a minha vida a Deus e à missão neste país.»

O Natal recorda-nos que estamos chamados a «ter vida e vida em abundância» (Jo 10,10), discernindo e aceitando a nossa vocação, deixando Jesus nascer na manjedoura do nosso coração e sendo testemunhas, até aos confins do mundo, da Luz que brilhou em Belém.  

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