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17 fevereiro 2024

A palavra em silêncio

Tempo de leitura: 6 min
A Ir. Natalia Moratinos partilha os desafios e as alegrias do trabalho missionário em Taza, Marrocos, uma cidade maioritariamente muçulmana, onde as quatro religiosas são as únicas cristãs.
Ir. Natalia Moratinos
Religiosa da Companhia Missionária do Coração de Jesus
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A irmã Natalia Moratinos num dos ateliês que as missionárias organizam com mulheres marroquinas (© Cortesia da autora)

 

Muitas pessoas perguntam-me o que faço neste país. «Viver», respondo-lhes. Como muitas vezes não ficam satisfeitas com a minha resposta, insistem: «Sim, sim, mas o que é que fazes?» Então explico-lhes que vivo dando testemunho da minha fé em Jesus. É tão simples quanto isso.

Cheguei a Marrocos no ano 2000, depois de vinte e três anos de vida missionária no meio da selva, na República Democrática do Congo. No início, em Tetuão, sentia-me perdida e os pensamentos e as perguntas não me saíam da cabeça. «Por onde devo começar? Não estou preparada para a cidade, prefiro as aldeias. Estas pessoas não se interessam por nós nem pela fé cristã, o que é que devemos fazer? Além disso, é difícil entrar na vida quotidiana das pessoas.» Com estas e outras preocupações, comecei a pensar na forma de me integrar melhor neste povo. Comecei a estudar a língua dialectal marroquina, o dariya, e inscrevi-me num ateliê de bordados tradicionais marroquinos.

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Sala de informática para jovens estudantes, actividades promovida pelas irmãs missionárias em Taza, Marrocos

 

Evangelizar amando

Dois anos mais tarde, pediram-nos para continuar a presença missionária em Taza, porque as Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria estavam a pensar deixar a comunidade. Fomos conhecer o local e ficámos muito satisfeitas. As Irmãs Franciscanas ajudaram-nos a entrar em contacto com as pessoas e a conhecer os bairros mais necessitados. Desde 2002, quatro irmãs da Companhia Missionária do Coração de Jesus, de diferentes nacionalidades, somos a única presença cristã nesta cidade maioritariamente muçulmana.

Taza, no Nordeste de Marrocos, fica a cerca de 120 quilómetros da cidade santa de Fez. A maioria dos seus 153 mil habitantes provém das montanhas circundantes. São pessoas hospitaleiras, simples, alegres e muito acolhedoras, pelo que a nossa integração foi muito fácil.

Continuo a dedicar tempo à aprendizagem das línguas, o dariya e o árabe oficial, bem como do Alcorão, porque para as pessoas é o seu mundo e manifesta-se continuamente na sua vida quotidiana. Nas Constituições do nosso Instituto diz-se que a nossa primeira tarefa é a evangelização e que «evangelizamos amando». É assim que procuramos fazer na espiritualidade da Igreja de Marrocos. Fazemos parte da Arquidiocese de Rabat, que quer ser um lugar de «testemunho, de encontro e de serviço», seguindo as pegadas de Charles de Foucauld, que nos convidava a «gritar o Evangelho com toda a vossa vida» e a «falar em silêncio».

As visitas às famílias são uma prioridade para nós. Aí temos a oportunidade de criar relações de amizade e de fraternidade. As pessoas partilham connosco os principais acontecimentos das suas vidas, como nascimentos, casamentos, funerais ou festas religiosas, nomeadamente o Ramadão e a Festa do Cordeiro, e nós partilhamos com elas o Natal, que é a festa cristã que melhor compreendem, porque Maria é muito venerada no Alcorão como mãe de Jesus. Nesses dias, visitam-nos e dão-nos biscoitos e doces para nos felicitarem, e passamos as tardes a conversar, a petiscar e a dançar.

Juntamente com uma senhora marroquina, fundámos a Associação Attadamon em Taza. Em Marrocos, há uma taxa muito elevada de pessoas com deficiência e as famílias não têm meios suficientes para fazer face aos cuidados médicos, à alimentação e à educação de que os seus familiares necessitam.

Criámos também um ateliê de bordados marroquinos com um grupo de mulheres, para que elas se possam conhecer, progredir na sua formação humana e, além disso, ganhar algum dinheiro e usufruir de um certo grau de independência económica. Um dos desafios que enfrentamos é a venda do seu trabalho, porque os mercados estão cheios de produtos de baixo custo e de baixa qualidade, o que torna difícil vender estes trabalhos manuais.

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Aula de apoio escolar, actividades promovidaa pelas irmãs missionárias em Taza, Marrocos

 

Construir pontes

À medida que a vida e as comunidades evoluem, promovemos mais actividades. Desde há alguns anos que temos aulas de apoio escolar, cuidamos de migrantes que passam semanas, meses ou anos em Taza, muitas vezes em condições precárias, e este ano criámos uma sala de informática para jovens estudantes ou trabalhadores. Todas estas actividades missionárias são poucas, mas são um pequeno símbolo que, além disso, programamos com a cooperação das pessoas.

Nas grandes cidades, podemos passar despercebidas, mas em Taza, como somos os únicos cristãos, sentimos um forte controlo de todos os nossos passos. No entanto, sentimos que somos apreciadas pela nossa vida de oração e dedicação aos mais necessitados, gozamos da confiança de todos e, ao longo dos anos, sentimos respeito, afecto e um sentido de entreajuda. Estamos a construir pontes entre o Islão e o Cristianismo, entre o Oriente e o Ocidente, e fazemo-lo como um diálogo religioso quotidiano em que nos desafiamos mutuamente na coerência da nossa própria fé.  

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