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25 maio 2020

A missão não se escolhe, recebe-se

Tempo de leitura: 5 min
Missionário em África há trinta e dois anos, D. Jesús Ruiz Molina é actualmente bispo auxiliar de Bangassou, República Centro-Africana. Para este comboniano, ser missionário em África é um presente de Deus e uma grande alegria.
Jesús Ruiz Molina
Bispo auxiliar de Bangassou, RCA
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É um facto que recebemos gratuitamente a missão de Deus e da Igreja. Quando era jovem e professei os votos religiosos, expressei aos meus superiores a minha preferência de trabalhar como missionário no Brasil. Mas, pouco depois, chegou-me a destinação: o Chade, um país centro-africano do qual mal sabia o nome. Lá passei quinze anos maravilhosos a ver e a contribuir para o crescimento de uma Igreja. Quando cheguei à diocese de Sarh, havia apenas três padres autóctones. Os missionários jesuítas e os combonianos estávamos a implantar aquela comunidade no meio da savana, num contexto islâmico que avançava de forma agressiva.

A proclamação do Evangelho era uma mensagem da vida para este povo empobrecido. Hoje, trinta anos depois, o Chade tem uma Igreja autóctone estruturada, com grande dinamismo e muitos desafios.

Da savana africana, após alguns anos de trabalho em Espanha, fui enviado para a selva da bacia do rio Congo, para Mongoumba, na República Centro-Africana, para uma nova missão entre o povo pigmeu Aka. Este povo é vítima de um sistema de exploração que os expulsou da selva; um povo humilhado pelo resto da população que os considera «não-pessoas, não-povo». A estes pigmeus proclamamos o Evangelho de Jesus, que é a vida de Deus. Criamos escolas para eles, promovemos o acesso à saúde, a luta pela justiça, procuramos a conversão dos opressores... Assim nasceu uma pequena comunidade pigmeia de baptizados. Foi um trabalho precioso de inclusão eclesial e inserção social para aqueles que estavam fora.

Quando, em Julho de 2017, estava a fazer as malas para regressar a Espanha para cuidar dos meus pais idosos, o Papa Francisco nomeou-me bispo auxiliar da diocese centro-africana de Bangassou.

Chamados à missão

Vivo o Evangelho há dois anos no meio de uma violência extrema e de uma guerra que dura há sete anos, a 800 quilómetros de distância da capital, sem estradas, sob a custódia dos capacetes azuis das Nações Unidas e oprimida por grupos armados que matam, queimam e violam uma população dispersa que foge, sofre e morre. Um quarto da população vive em situação de deslocamento ou é refugiada. Sim, a missão não é escolhida, é recebida.

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Os missionários não vão «baptizar os nativos», não vão fazer proselitismo, criar adeptos, ou transmitir uma cultura superior. Não. Somos enviados como testemunhas do amor de Deus para situações extremas, como pode ser o contexto de uma Igreja nascente no Chade, o dos pigmeus considerados escravos, ou da crueldade e desumanização da guerra em Bangassou.

A nossa missão baseia-se no amor de Deus do qual escreveu São Daniel Comboni: «Tenham os olhos fixos de Jesus Cristo, amando-o ternamente, e perguntando-se o que um Deus morto na cruz significa por amor por nós». Daí o lema do meu episcopado: «Ele amou-me e entregou-se por mim», tirado da Carta aos Gálatas. Esse amor de Deus torna-se amor a Deus e amor aos povos.

Este amor de Deus tem um rosto concreto: amor fiel e incondicional a um povo. Quando, no meio de uma guerra muitos partem, permanecemos com o nosso povo. Ficamos perante a dor e com a impotência daqueles que vêem um ente querido a sofrer sem sermos capazes de fazer nada. A vocação missionária implica este «fazer causa comum com um povo», e isso é levado até às últimas consequências.

Nestes sete anos de conflito na República Centro-Africana, milhares de pessoas inocentes foram assassinadas, muitas delas cristãs. Entre elas, só no ano passado, cinco padres foram mortos. A missão não é uma experiência, é o dom total de uma vida. A missão não tem data de validade, mas vai até dar a vida, até ao extremo.

 

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