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18 fevereiro 2023

Deus está sempre presente

Tempo de leitura: 5 min
O Ir. Marco Faria, missionário comboniano brasileiro, partilha o seu caminho vocacional e a missão que realiza entre o povo Nuer, no Sudão do Sul.
Ir. Marco António Faria
Missionário comboniano
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Católicos Nueres durante uma celebração em Nyal

 

O meu nome é Marco António, nasci no Brasil e sou irmão comboniano. Sinto-me muito feliz e realizado com o caminho para o qual Deus me chamou e eu aceitei seguir. Anteriormente, eu tinha uns objectivos de vida que tentava alcançar e pensava que, ao consegui-los, eu seria feliz. Tive a sorte de trabalhar desde muito cedo numa multinacional. Aos 14 anos, frequentei um curso de formação industrial, já como funcionário dessa grande empresa. Aos 18 anos, comecei a estudar Engenharia Mecânica na universidade, graduando-me com 23 anos; nessa altura já trabalhava noutra empresa, com um salário mais alto e melhores condições laborais.

Posso dizer que era um jovem que tinha o que muitos anseiam. Com 18 anos já era financeiramente independente. Saía com os meus amigos para festas e algumas viagens; gostava de saltar de pára-quedas e praticar outros desportos. Resumindo, tinha saúde, dinheiro, carro, amigos, namoradas, ou seja, tudo o que muitos jovens hoje procuram ter para alcançar a felicidade. Ainda assim, sentia que me faltava alguma coisa.

Há dez anos, comecei a reflectir mais profundamente sobre o sentido da vida e da felicidade. Perguntei-me seriamente: qual é o maior sentimento do ser humano? Qual será a maior sensação de felicidade que podemos experimentar? A resposta que me encheu de sentido foi: o Amor.

 

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Ir. Marco Faria, missionário comboniano brasileiro, no Sudão do Sul

 

Ao compreender que a maior felicidade está no Amor, procurei, desde então, entender como poderia eu viver mais plenamente este que é o maior sentimento do ser humano. Primeiro, participei num grupo de jovens e comecei a ajudar os mais necessitados; depois, como seminarista, na minha diocese e, finalmente, como irmão missionário comboniano, para ser enviado, nas palavras de São Daniel Comboni, aos «mais pobres e abandonados do Universo», concretamente, ao povo africano.

Missão com o povo Nuer

Em 2020, depois de terminar a minha formação de base nos Missionários Combonianos, fui enviado para a missão do Sudão do Sul. Fui destinado a trabalhar entre o povo Nuer, um grupo étnico nilótico que vive na região do Grande Nilo Superior. Com um estilo de vida seminómada, os Nueres vivem em áreas alagadas, onde não há estradas, nem rede de telefone ou de Internet. O acesso a essa região só pode ser feito navegando pelo rio Nilo ou de helicóptero. Em Nyal, onde a nossa comunidade foi estabelecida, o único meio de transporte praticável é a canoa feita de madeira de palmeira.

Nesta cultura os homens podem ter várias esposas. A quantidade de esposas manifesta a riqueza material do homem, pois o casamento concretiza-se mediante o pagamento de um dote ao pai da noiva. O valor do dote varia, em geral, entre 25 e 50 vacas, tendo em conta factores como a altura da noiva, a sua condição de saúde, a destreza nas tarefas da cozinha, o nível de escolaridade. O valor pode passar das 50 vacas se a noiva completou o ensino secundário, o que é muito raro, pois os direitos das mulheres são quase nulos nesta sociedade.

 

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O Ir. Marco Faria numa selfie feita durante uma viagem com os catequistas numa região alagada pelas águas do rio

 

O ensino é tão precário que praticamente não existem professores qualificados. As pessoas mais habilitadas procuram outros trabalhos, normalmente em ONG, pois recebem um salário muitíssimo maior.

Nesta área não há hospitais. Existem apenas pequenos postos de saúde onde os doentes são muitas vezes atendidos por voluntários com pouca ou nenhuma formação profissional. As pessoas que eles tratam por doutor muitas vezes nem terminaram o ensino secundário. A mortalidade é altíssima por falta de equipamentos, de atendimento qualificado e de remédios.

No meio de tantas dificuldades, a nossa presença missionária é fundamental para dar algum tipo de alento a este povo. É lindo e muito gratificante ver a festa que nos fazem quando os vamos visitar nos vilarejos mais distantes. Os baptismos são feitos às centenas em cada visita. A festa toma conta de todo o povoado.

Esta experiência está a ensinar-me muita coisa. Como eles dizem, «Kuoth a thin!», que significa «Deus está sempre presente». Sem essa confiança na presença de Deus, seria quase impossível viver. Aprendi também a entender e aceitar o diferente e a ter mais compaixão.

Agora percebo que muitas coisas que eu considerava essenciais na verdade não o são. Hoje para mim, o doar-se ao irmão segundo os ensinamentos do Evangelho é o verdadeiramente essencial. Como refere Antoine de Saint-Exupéry na sua obra O Principezinho: «O essencial é invisível aos olhos.» 

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