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22 junho 2023

Missão na Amazónia peruana

Tempo de leitura: 6 min
A irmã Fátima Lay partilha connosco os grandes desafios de evangelizar na amazónia peruana, especificamente em Iquitos, uma região geograficamente inóspita, mas humanamente muito acolhedora.
Ir. Fátima Lay Martínez
Irmã Catequista de Jesus Crucificado
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A irmã Fátima Lay, religiosa das Catequistas de Jesus Crucificado, visita uma das aldeias do departamento de Iquitos, na selva amazónica do Peru (© Ir. Fátima Lay Martínez)

 

A nossa missão na Amazónia peruana começou em 2017. Neste pequeno canto do mundo, que defino «dom de Deus», as coisas não funcionam da forma a que estávamos habituadas e, por isso, foram necessários muita criatividade e tempo da nossa parte para responder às necessidades das pessoas, para as conhecer e amar.

Vivemos em Iquitos, a maior cidade da Amazónia peruana, circundada pela Natureza e por grandes rios. Não obstante, aqui a água potável só está disponível umas cinco horas por dia, a rede eléctrica é instável e o acesso à Internet é lento. As pessoas vêm aqui de aldeias distantes e instalam-se ao longo das margens do rio. Vivem em situações muito precárias, fazem os trabalhos que aparecem e nem sempre são bem pagos. Mas isso não diminui o facto que sejam alegres e se sintam família. Gosto muito de ver as crianças a brincar e a saltar descalças nas ruas de terra.

O modo mais comum de se deslocar na Amazónia é através da navegação fluvial. Há apenas uma estrada que liga Iquitos à cidade de Nauta, que fica a cem quilómetros de distância; as outras viagens são feitas por barco a motor, ferryboat ou pelos chamados «bongueros» [embarcação de fundo plano utilizada para o transporte fluvial de passageiros ou carga] e podem durar vários dias. De facto, as distâncias aqui são medidas mais em tempo do que em quilómetros.

Terra de missão

A Amazónia peruana é uma terra de missão e o seu território está organizado em diversos vicariatos apostólicos confiados a congregações religiosas. Mas os missionários são poucos considerando a extensão do território. Por exemplo, no nosso Vicariato de Iquitos há apenas 33 sacerdotes, razão pela qual os animadores e nós religiosas desempenhamos um papel importante.

 

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A irmã Fátima Lay caminha num dos passeios fluviais da cidade de Iquitos Peru (© Ir. Fátima Lay Martínez)

 

Ao contrário dos outros vicariatos da Amazónia, aqui a maioria das paróquias encontra-se em Iquitos, cidade com cerca de meio milhão de habitantes. Mas o trabalho da Igreja chega também às comunidades nas aldeias distantes, localizadas ao longo dos rios e em lugares de difícil acesso devido à complexidade da geografia e ao elevado custo do transporte. Quando o nível da água desce, é impossível chegar a algumas áreas ou, para o fazer, é necessário caminhar na lama da selva e proteger-se dos insectos e outros animais.

Evangelizar e acompanhar

Neste contexto, o nosso trabalho é evangelizar e acompanhar, especialmente quantos vêm de aldeias distantes e trazem consigo sonhos, sobretudo para os seus filhos. Lembro-me de um primeiro encontro com a realidade pastoral que tive durante uma reunião de preparação para o sacramento do baptismo de algumas crianças. Foi para mim uma grande surpresa verificar que apenas alguns pais eram baptizados. Experimentei isto como um desafio e tive de mudar a catequese que tinha preparado. Progressivamente, compreendi que esta área é uma «terra virgem» para a evangelização, dado que muitos nunca pegaram numa Bíblia nem ouviram uma passagem da Sagrada Escritura.

Em sintonia com o carisma da nossa congregação, nestes seis anos temos colaborado em diversos serviços de catequese e de formação em diferentes paróquias. Tudo isto nos permitiu ir da cidade para as periferias e, assim, chegar às comunidades estabelecidas nas zonas ribeirinhas. Também ali tivemos a oportunidade de nos encontrarmos e servir os crucificados de hoje.

 

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A Irmã Fátima com crianças de Iquitos Peru (© Ir. Fátima Lay Martínez)

 

O encontro com o Crucificado

Às quartas-feiras levamos a comunhão aos doentes, acompanhamo-los e escutamo-los. Lembro-me como uma vez, apesar da repugnância que humanamente senti, fui capaz de contemplar Cristo na Cruz enquanto ajudava uma pessoa coberta de feridas. Então tudo teve sentido. Durante a pandemia sofri ao lado deles e chorei por não poder fazer nada ao ver tanta gente morrer, porque em Iquitos a primeira vaga foi devastadora.

Este encontro com tantos crucificados também nos compromete a dar voz a quem não tem voz. Aqui existem muitas empresas ilegais de exploração de madeira e extracção mineira, que causam derrames de petróleo que poluem os rios e deixam a população sem água para beber e sem poder pescar para comer. Ante estas realidades, o nosso amor ao povo não permite que permaneçamos indiferentes e impele-nos a oferecer o nosso pequeno grão de areia para as mudar. E foi isto que nos levou a criar um escritório da Cáritas na nossa paróquia.

Estar na selva é um dom de Deus e, para nós, mesmo que o mundo não se dê conta do que fazemos, o esforço para caminhar ao lado deste povo, para o ajudar a recuperar a sua dignidade, é um início do Reino de Deus. Principalmente porque o fazemos juntas, pois caminho com as minhas irmãs da comunidade na procura constante da vontade de Deus.  

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