Opinião
07 dezembro 2023

Poluir até era bom para o aquecimento global

Tempo de leitura: 4 min
Queremos que o mundo mude, mas tomar consciência de que essa mudança começa por nós próprios é cada vez mais importante.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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(© 123RF)

 

Os Portugueses têm uma expressão para quando algo entrou de tal modo num círculo vicioso consigo próprio que se assemelha a uma «pescadinha de rabo na boca». A poluição do ambiente tornou-se um desses casos. Poluir a atmosfera significa aumentar o número de partículas de carbono emitidas pelos carros pelo tubo de escape. Essas partículas são de tal forma pequenas que respirá-las nos leva a sofrer de doenças respiratórias, pelo que eliminá-las é cuidar da saúde humana e do ambiente, mas aqui está o «galho» (passo a expressão).

O lançamento de partículas para a atmosfera criou uma nova situação global subtil porque o resultado do acúmulo dessas ao longo do tempo foi a criação de um filtro atmosférico à radiação solar e o planeta adaptou-se. Entretanto, ao limparmos a Casa Comum, mais radiação solar incide sobre a Terra, contribuindo para o aquecimento global e para as alterações climáticas. Ou seja, o planeta está a aquecer mais do que seria de esperar e de acordo com uma recente publicação científica na prestigiada revista Nature Climate Change (https://doi.org/10.1038/s41558-023-01848-5), uma razão seriam os menores índices de poluição. Pescadinha de rabo na boca. Porém, os autores oferecem uma solução simples: «paremos de queimar combustíveis fósseis!»

O Papa Francisco incluiu na exortação apostólica Laudate Deum um evento transitório, a conferência das Nações Unidas sobre o clima (COP28), que se realizou em Novembro. Quer isso dizer que daqui a dez anos, quem ler esta exortação poderá questionar-se sobre a motivação do Papa Francisco ter incluído um momento temporal num documento que seria, habitualmente, intemporal. A razão deve-se à inacção de grande parte do mundo, incluindo o mundo católico, em relação à alteração dos nossos estilos de vida e da transição energética definitiva para fontes de origem renovável. A Igreja é uma comunidade humana de crentes que lê os sinais dos tempos e vive na Terra com a consciência de a elevar (seja de que maneira for) à glória do Céu. Quer isto dizer que não podemos esconder ou diminuir o valor da dimensão espiritual humana nos actos materiais que influenciam os ritmos planetários.

A acção sem o impulso interior da oração ou a oração sem o testemunho da acção abafam o potencial transformativo de uma oração activada pela acção, e de uma acção inspirada pela oração. Rezamos menos do que poderíamos rezar e agimos menos do que poderíamos agir. Queremos que o mundo mude, mas tomar consciência de que essa mudança começa por nós próprios é cada vez mais importante.

O efeito que a poluição tinha sobre a diminuição do aquecimento global não serve de desculpa para continuarmos a acelerar os nossos carros por vivermos dominados pela pressa, emitindo partículas para a atmosfera.

A limpeza do ar sustentável é a que reduz o uso de combustíveis fósseis que poluem e aquecem o ambiente natural. Quem sabe se esse passo não passa por uma limpeza da poluição espiritual que desassocia a oração da vida quotidiana. 

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