Opinião
21 fevereiro 2024

O valor do esforço de compreender

Tempo de leitura: 4 min
Para mim, a inteligência artificial é um mistério envolto na nuvem do desconhecido.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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(© 123RF)

 

O crescimento exponencial do desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial (IA) estende-se a vários domínios da vida humana e um dos que mais valorizamos é a previsão do clima. Num recente artigo [Lauren Leffer, «AI Weather Forecasting Can’t Replace Humans–Yet», Scientific American, 9 de Janeiro de 2024] ao questionar se as ferramentas de IA substituirão o elemento humano que constrói modelos de previsão do clima, a autora assinala que a resposta é negativa. Mas o que me intrigou foi o vislumbre de uma implicação do excesso de uso de ferramentas de IA que não imaginava.

A previsão do clima feita por uma ferramenta de IA como GraphCast segue a mesma abordagem que outras ferramentas como o ChatGPT: treinadas, estas ferramentas procuram qual o evento seguinte mais provável face aos dados com que são alimentadas. Uma IA é incapaz de prever algo para o qual não foi treinada. Por isso, as reservas no uso de ferramentas de IA para prever o clima será a limitada capacidade de imaginar o que nunca aconteceu ou se encaixa em qualquer padrão. Com os modelos físicos é diferente. Os modelos físicos procuram compreender a realidade a partir dos dados, podendo dar-nos perspectivas jamais pensadas.

Construir um modelo exige alguma imaginação para se “desenhar” relações entre as coisas novas com sentido. Exige esforço porque nem sempre as implicações de um modelo são evidentes antes de ser formulado. Existem vários exemplos disso, por exemplo, a forma como Ludwig Boltzmann quantificou a entropia termodinâmica para os microestados da matéria. Se a IA começar a fornecer respostas sem qualquer necessidade de modelos, temo que estejamos diante de uma séria ameaça à imaginação humana. Esta é a implicação que não esperava.

O esforço empregado na construção de um modelo tem na base a aprendizagem da relação entre observar a realidade e descrevê-la usando uma linguagem universal como a matemática. A IA possui uma aprendizagem entre os níveis 4 (apreendedor limitado) e 5 (apreendedor modesto) que analiso no meu recente livro Tempo 3.0 – Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo [ver resenha na página 50] na parte dedicada ao Quociente da Aprendizagem. Isto é, uma IA não tem a ginástica mental para ir além daquilo que conhece, elaborando a partir do que os outros fizeram. Apenas sob um impulso estatístico (tendência maioritária) na direcção de algo considerado “novo” é que a IA chegaria a esse ponto, sem compreender ao que chegou. Para uma IA não existe razão entre causa e efeito, mas dados e resultados estatisticamente correlacionados.

As previsões do clima acertadas com menos energia gasta nos computadores são um ponto a favor do recurso a estas ferramentas para a meteorologia. Mas temo que a confiança depositada nestas ferramentas possa cegar os nossos olhos às observações que despertam a imaginação. Ou que percamos a capacidade de nos esforçarmos para compreender aquilo que conhecemos. Para uns, o impacto da IA será um ponto de luz na História humana. Para outros, o início do fim. Para mim, é um mistério envolto na nuvem do desconhecido. 

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