Opinião
12 abril 2024

Racismos. Alteridade. Memórias do colonialismo. Guerras.

Tempo de leitura: 4 min
O racismo, essa percepção do outro como diferente e inferior, existe em relações individuais e em estruturas e sistemas.
Teresa Pizarro Beleza
Professora catedrática, coordenadora do Observatório do Racismo e Xenofobia
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Há muitos anos, num seminário de Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde então ensinava, falando com um aluno angolano, disse-lhe: «No dia em que, conversando consigo, eu não reparar que o senhor é “negro” e que eu sou “branca”, o racismo terá acabado.» Parecerá talvez uma coisa estranha ou até talvez um pouco tola de se dizer a um estudante. Penso que ele compreendeu o que eu queria dizer. O racismo começa na percepção do outro como outro, nas múltiplas formas e nas muitas maneiras em que isso pode acontecer. Essa visão de alteridade pode ser relativamente benigna, como quando se repara que o nosso interlocutor é de sexo diferente do nosso ou veste de forma muito diversa daquilo a que estamos habituados.

O que se passa com a “cor”, a “raça” ou a etnia é bastante mais complexo, pleno de sentido histórico e político. Era impossível falar com aquele aluno sem ter consciência da História que nos condicionava aos dois. Ele vinha de um país que fora colónia do meu e lutara longos e duros anos pela independência. Portugal fora incapaz de acompanhar os tempos da descolonização e insistiu numa serôdia atitude, repetidamente condenada pelas Nações Unidas, de manter as chamadas «províncias ultramarinas». As lutas pela independência das colónias acabaram por ser decisivas na queda do regime do Estado Novo e permitir a democratização do nosso país, que agora justamente comemora cinquenta anos da Revolução de Abril.

O colonialismo é porventura a mais importante e extrema forma de racismo institucional. Baseia-se na convicção da superioridade de uma “raça” sobre outras. De um território, país, nação, povo sobre outros. E deixa heranças e marcas profundas nas sociedades que se recompõem dessa fase histórica que marca o passado dos impérios, condicionando o presente. O racismo, essa percepção do outro como diferente e inferior, existe em relações individuais e em estruturas e sistemas que resistem longamente às contracorrentes das denúncias, atitudes e reivindicações dos movimentos sociais libertadores. Ou às políticas e legislação que vão sendo elaboradas para o combater, quantas vezes de forma e alcance insuficientes. É essencialmente uma manifestação e um mecanismo de poder, de domínio e de exclusão. Um dos livros que melhor explicam o conceito será o de Francisco Bethencourt, Racismos, de 2015.

Foi justamente para ajudar a entender os contornos, o alcance, a gravidade e o verdadeiro peso do fenómeno em Portugal que foi criado o Observatório do Racismo e Xenofobia. Compreender as dimensões e modalidades das práticas discriminatórias em contextos institucionais, académicos, profissionais, desportivos ou outros é um passo essencial para se poderem construir sugestões de medidas legislativas ou políticas.

O INE publicou em 2023 o ICOT, inquérito que visa, entre outros objectivos, colmatar a ausência da indicação de dados de natureza étnica nos censos populacionais, recusada pelo INE, apesar da recomendação do grupo de trabalho que estudou, a pedido do Governo, o assunto.

Os dados desse inquérito são um primeiro passo importante para desbravar áreas de discriminação reconhecidas, mas ainda relativamente pouco estudadas, apesar da investigação académica já realizada, que a há e excelente. As notícias na comunicação social do dia-a-dia parecem confirmar a intuição de que o racismo persiste no nosso país e no resto do Mundo, sob muitas formas e disfarces, incluindo nas guerras que estão a decorrer na Europa e no Médio Oriente. 

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