Opinião
29 outubro 2024

Encorajar

Tempo de leitura: 4 min
A coragem que Jesus oferece é assim: encontramo-la na capacidade de sentir a sua presença e escutar a sua voz.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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O padre Abôndio, simpática personagem do romance italiano I Promessi sposi (Os Noivos), tentava desculpar o medo que sentia muitas vezes com a frase «A coragem, ninguém a dá a si mesmo!» Ele até tinha razão. A coragem vem-nos de fora. Ou, no caso de quem partilha a fé cristã, vem-nos das certezas que encontramos em Jesus.

Aconteceu que, certa noite, os seus discípulos lutavam, cheios de medo, para tentar sobreviver no meio de uma daquelas tempestades repentinas, que às vezes aconteciam nas noites do mar de Tiberíades (Mt 14,27-31). A ideia de que, de um momento para o outro, podia chegar a onda que lhes ia encher o barco e os mandava a todos ao fundo levava-os a dar tudo por tudo em cada manobra para manter o barco à tona da água. E para cúmulo, um deles vê alguém que parece caminhar sobre as águas, sem dúvida um fantasma que vem aumentar-lhes o terror.

Difícil imaginar como, mas, no meio da ventania, ouve-se uma voz: «Coragem, sou eu! Não tenhais medo.» A presença de Jesus e a sua voz amainam a tempestade, e Pedro chega a pensar que também ele teria coragem suficiente até para caminhar sobre as águas! 

No meio da tempestade, conseguiram descortinar a Sua presença e ouvir a Sua voz. Desapareceu aquele medo que fazia de cada onda uma nova vaga de terror, e fez-se uma grande bonança. A coragem veio daquela presença, daquela voz.

A outra vez em que Jesus infunde coragem nos seus companheiros de caminhada é durante o longo discurso à mesa, que João nos apresenta antes da sua paixão (Jo 16,30). No horizonte aproximava-se rapidamente a «hora das trevas», aqueles três dias em que tudo apontava para o triunfo do mal, da injustiça da violência. A cruz do Calvário que parecia pôr um ponto final em todo o bem que Jesus tinha anunciado e que juntos tinham começado a construir. Agora, as forças do mal pareciam aliar-se umas com as outras. Quem ousaria ainda ter coragem se o Mestre ia acabar daquela maneira? Era mais uma tremenda tempestade, desta vez em terra. E Jesus diz-lhes: «Tende coragem, eu venci o mundo» (Jo 16,33). 

Participar num combate pensando que a derrota já não se pode evitar é uma coisa; mas participar na luta com a certeza de que o nosso chefe «venceu o mundo» (=o mal nas suas várias expressões) torna-se uma fonte de grande coragem até nos momentos mais duros da refrega.

A coragem que Jesus oferece é assim: encontramo-la na capacidade de sentir a sua presença e escutar a sua voz, até nas situações mais improváveis, e na certeza de que, apesar das aparências, é Ele com o seu Espírito que está mesmo a transformar a nossa história; e os nossos pequenos sucessos, e até as nossas aparentes derrotas, pertencem já à vitória que Ele começou a realizar no dia de Páscoa. É por isso que missionários e missionárias continuam a semear a paz e o bem, mesmo em situações que, aos olhos de muitos, parecem desesperadas e sem solução. Na verdade, estamos ao serviço de uma presença e de uma palavra muito mais forte do que todas as adversidades que se nos apresentem.   

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Dezembro 2024 - nº 752
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