Opinião
16 novembro 2024

Pacificar

Tempo de leitura: 4 min
Jesus pacifica fazendo de cada um dos seus discípulos um construtor de paz.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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Quando vemos, todos os dias, notícias de mísseis a atacar a terra de Jesus, e outros a partir de lá para atacar outras terras ali à volta, perguntamo-nos se ainda podemos acreditar nas palavras do mesmo Jesus quando ele disse «Deixo-vos a Paz, dou-vos a minha paz» (Jo 14,27). E as antigas profecias da Bíblia falavam do Messias que havia de vir como um «Príncipe da paz» (Is 9,5). Certo, incomodam-nos e interrogam-nos as notícias da guerra; mas pensemos na angústia das pessoas, de qualquer religião que sejam, que, na terra de Jesus, vêem, de noite, os rastos de fogo dos mísseis que estão a chegar, ou que partem... para causar novas destruições e engrossar o rio de lágrimas que por lá corre há tanto tempo.

Surpreende o facto de Jesus ter dito aquelas palavras sobre a paz, precisamente quando estava a chegar ao momento mais alto da guerra que os chefes religiosos e políticos moviam contra Ele. De facto, Jesus promete a sua paz durante a Última Ceia, quando se despedia dos seus discípulos e familiares e amigos para, logo a seguir, enfrentar a sua terrível paixão e morte.

Podia ter fugido para se esconder nalgum lugar e viver mais algum tempo? Podia, mas não quis. Preferiu continuar fiel ao seu projecto de anunciar o Reino de Deus, reino de paz, justiça e amor, mesmo se isso lhe ia exigir o dom da própria vida. No fundo do seu coração, Jesus sentia que a fidelidade até ao fim, mesmo com o terrível preço que ia pagar, era mais importante do que ganhar mais uns dias de vida, com a fuga. Notemos também que Ele disse logo a seguir: «Dou-vos a minha paz, mas não vo-la dou como o mundo a dá.» 

A sua nova presença de ressuscitado, no mundo, depois da sua passagem pela morte, ia libertar uma nova força de pacificação – o Espírito Santo de Deus – capaz de reconstruir a paz no coração das pessoas e através delas, promover inúmeros processos de paz pelo mundo fora, através dos séculos.  

Sinal dessa nova força de paz que ele deixou no mundo serão as suas primeiras palavras quando, ressuscitado, se mostrou aos discípulos que se tinham barricado em casa, por medo dos judeus: «“A paz esteja convosco!” Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o peito. Os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor. E Ele voltou a dizer-lhes: “A paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós.” Em seguida, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados...”» (Jo 20,19-23).

Jesus pacifica fazendo de cada um dos seus discípulos um construtor de paz, com a mesma força do Espírito de Deus que habitava no próprio Jesus. É assim que, em situações de conflito mais ou menos destruidor, teremos a coragem de nos pormos no lugar do outro – o inimigo: só sentindo em nós a sua dor e o seu medo teremos a força de olhar para ele com alguém com quem se pode dialogar para encontrar juntos soluções de paz. Enquanto cada um só for capaz de ver os seus próprios interesses e medos, o conflito ganha sempre mais espaço. A paz de Jesus só é possível quando cada um for capaz de relativizar, e mesmo renunciar ao seu ponto de vista para dar aos outros espaço para dizer quem são e o que procuram.  

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Dezembro 2024 - nº 752
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