Opinião
16 maio 2025

Coração: nascente de água viva

Tempo de leitura: 4 min
Quem sacia a sua sede na nascente que é o Coração aberto de Cristo, torna-se fonte que oferece essa mesma água viva a muitos outros.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
---

Há uma profecia intrigante, que é citada na encíclica Amou-nos, número 95, do Papa Francisco. Encontra-se no Antigo Testamento, no livro de Zacarias (Zac 12, 10; 13, 1). Esta profecia retoma o tema antigo da sede de Deus: a alma humana vive uma sede profunda que só pode saciar-se quando encontra Deus e consegue mergulhar no seu amor. É só em Deus que a pessoa humana pode encontrar a água viva que a enche de alegria e lhe dá a força para produzir frutos abundantes, como aquela árvore que está plantada à beira do rio santo que nasce no templo de Deus e faz nascer vida nova por onde que que passa, até que chega ao Mar Morto e o transforma num viveiro de peixe fresco (cf. Salmo 1, 3 e Jeremias 17, 8).

O Papa Francisco nota como, ainda hoje, todos caminhamos em busca dessa água viva, essa força espiritual que vem de Deus e transforma as nossas «águas salobras» em correntes refrescantes capazes de renovar a vida e fazer renascer a alegria, por onde passam. Naqueles que a bebem, nasce «um espírito de benevolência e de súplica». O elemento intrigante da profecia de Zacarias é que junta a promessa dessa água viva que Deus derramará sobre os membros do seu povo, com outra promessa, aparentemente desligada: «Eles contemplarão aquele a quem trespassaram», e acrescenta que «naquele dia, haverá uma fonte aberta para os habitantes de Jerusalém».

Para os cristãos que contemplamos Cristo na sua Cruz quando o soldado trespassa o seu peito com uma lança, e do seu coração aberto vemos jorrar sangue e água (cf. Jo 19, 4), não é difícil compreender a antiga profecia de Zacarias e vê-la realizada ali mesmo: o Coração aberto de Cristo torna-se a nascente da qual jorra essa água viva que começa por transformar o próprio centurião romano que ali estava de serviço, o qual logo exclamou: «Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus» (cf. Mc 15, 39).

A tradição da Igreja começou bem cedo a olhar para o Coração aberto de Cristo como a fonte de onde nascem os sacramentos (a água viva que é o Espírito Santo, activo em todos os sacramentos). Como profetizava Zacarias, nós encontramos no Coração trespassado de Cristo a nascente de onde nasce e continua a jorrar a água viva que nos revitaliza com a força de Deus. O Papa Francisco refere ainda que, ao encontrarmos no coração carnal de Cristo a fonte de onde brota a nossa vida nova, recebemos de Deus a força para uma vida cristã que não é simplesmente uma crença em coisas espirituais, ou aceitação de algumas ideias sobre Deus, mas é a energia concreta que nos leva a pôr em prática no nosso quotidiano o «estilo de Jesus», a maneira como ele vivia com as pessoas do seu tempo: no perdão, na amizade, na ternura com os mais fragilizados.

E essa «corrente de água viva» que recebemos do Coração de Cristo não termina em nós o seu curso. Como Jesus prometeu junto ao poço de Jacob: «A água que eu lhe der, tornar-se-á nele fonte de água jorrando para a vida eterna» (Jo 4, 14). Quem sacia a sua sede na nascente que é o Coração aberto de Cristo, torna-se fonte que oferece essa mesma água viva a muitos outros.   

Partilhar
---
EDIÇÃO
Maio 2025 - nº 757
Faça a assinatura da Além-Mar. Pode optar por recebê-la em casa e/ou ler o ePaper on-line.