A recente morte do jovem conservador americano Charlie Kirk é o perfeito cruzamento entre a ilusão da virtualidade e os efeitos que pode produzir na realidade. Se a Igreja Católica é chamada a evangelizar no mundo digital, eu diria que o fruto deveria ser o de tirar as pessoas dele.
A razão de as pessoas usarem as redes sociais não é só o sentimento de validação pessoal, mas também a impressão de que podem fazer a diferença no mundo com a sua voz. Mas isso não passa de uma ilusão. A forma de nos envolvermos na sociedade e na política não é através das redes sociais, mas através dos nossos actos do quotidiano e estilos de vida.
O ambiente digital pretende, sim, capturar a nossa atenção, e dessa captura provém a justificação para que poucos possam ter muito, apesar de muitos beneficiarem de muito pouco. Vivemos numa espécie de materialismo desencarnado, aliado daquilo que se passa à nossa volta. E o mais curioso é não termos bem a consciência disso e até acharmos que o acesso fácil a um mar imenso de informação faz bem à nossa saúde mental. Penso ter chegado o tempo de reconhecermos a necessidade de sairmos do conteúdo digital para voltarmos à experiência pessoal.
Quando surgiram os primeiros dispositivos digitais, como o Kindle, o iPad mini, eu pensava que deixaríamos de comprar livros em papel porque teríamos todos os livros que quiséssemos em formato digital. Cheguei a ser mesmo um grande defensor dessa ideia. Mas estava errado. Basta ir a uma feira do livro e vermos quantas pessoas ainda procuram um livro em papel. É uma experiência pessoal insubstituível.
Em relação às notícias, as redes sociais começaram por ser um motor de divulgação disruptivo. Mas cedo compreendemos que era mais fácil partilhar a desinformação e falsidades do que a informação que nos ajuda a compreender a realidade à nossa volta, captada por jornalistas profissionais. Poderão ser muito menos aqueles que lêem as notícias num jornal físico, preferindo o jornal digital. Mas as redes sociais, definitivamente, não são a melhor fonte de informação para nos ajudar a pensar.
Até uma simples conversa entre duas pessoas transformou-se, através das redes sociais, numa troca de comentários que gradualmente tende a ser cada vez mais ofensiva. E quando essas pessoas se voltam a encontrar, por vezes o relacionamento já está danificado.
Só uma renovação da capacidade de comunicar cada vez mais assente em experiências pessoais, em vez de conteúdos digitais, poderá renovar o tecido relacional que nos constrói como comunidade.
Se evangelizar através das redes sociais pode ser uma forma de chegar a muitas pessoas, melhor se evangelizará se através dessas conseguirmos inspirar essas pessoas a abdicar dos ambientes digitais e a voltarem a encontrar-se de novo.
O encontro cara a cara, com algo ou alguém, é uma experiência pessoal insubstituível da consciência de que a verdadeira vida plena é a que passa pelo abandono definitivo do “gosto” e o retorno ao abraço.