O último grande ensinamento que o Papa Francisco nos deixou, a sua encíclica Amou-nos – Dilexit nos, lembra que no que se refere ao coração, nunca se pode pôr a palavra «fim». Ainda menos quando se quer falar do coração do homem Jesus, onde morava o amor do próprio Deus!
Francisco nota como já a partir das palavras do próprio Jesus, e depois na rica experiência de alguns dos maiores santos da nossa História, o amor do Coração de Cristo se comunica transbordando. É como uma fonte que tem dentro de si uma nascente. A água continua a nascer e a fonte, sempre cheia, transborda continuamente para quem esteja por perto. Um dia, quando participava na festa judaica das tendas, Jesus levantou a voz e disse: «Quem tem sede, venha a mim e beba... e o seu próprio coração será uma nova fonte de onde transbordam rios de água viva» (cf. Jo 7, 37-38). E Francisco comenta que «tudo se conclui na fonte transbordante da cruz»
(DN 97), sem dúvida pensando na cena do Coração de Cristo aberto pela lança do soldado.
Mais adiante, sempre no mesmo texto (DN 104), é a reflexão e experiência de São Bernardo que nos é oferecida. Diz ele que quando no seu coração sente que está a baixar o “nível” da misericórdia, ele dirige-se de novo à fonte dela, o Coração do Senhor. E tem várias portas por onde pode entrar: como ele mesmo deixou escrito, «trespassaram-lhe as mãos e os pés, perfuraram-lhe o lado com uma lança. O segredo do seu coração está à vista através das feridas do seu corpo. [Por elas] podemos ver as vísceras de misericórdia do nosso Deus». Na contemplação que faz São Bernardo, Cristo aceitou as feridas no seu corpo, para que, através delas pudéssemos finalmente ver com clareza e receber o Amor de Deus que desde sempre habitava no seu coração. Este pensamento de São Bernardo pode, talvez, autorizar-nos a pensar que as feridas no corpo de Cristo que é a Igreja, que tanto precisam de ser curadas, e que são muitas ao longo da sua história, podem transformar-se em outras tantas “janelas abertas” através das quais podemos descobrir a surpreendente profundidade do amor com que Cristo nos amou «quando éramos ainda seus inimigos» (Rom 5,6-11).
Santa Teresinha do Menino Jesus experimenta o amor imenso de Deus que transborda do Coração de Cristo para o coração dela, enchendo-o plenamente. Nas suas palavras: «Ofereço-me ao vosso amor misericordioso, suplicando-vos que deixando transbordar para a minha alma as ondas de ternura infinita que estão encerradas em Vós, assim eu me torne mártir do vosso Amor» (DN 198).
São Daniel Comboni contemplou o mesmo Coração de Jesus, aberto no cimo do monte Calvário, e sentiu que de lá transbordava uma chama fortíssima que abrasava o seu próprio coração e o empurrava para as terras africanas, para levar o abraço da paz a muitos irmãos ainda privados do Evangelho.
O amor que transborda do Coração aberto de Cristo, através das feridas do seu corpo, enche o coração de quem “anda por perto” do Senhor, e reacende em nós o entusiasmo pela missão.