Opinião
25 outubro 2025

Transição energética, africanamente

Tempo de leitura: 4 min
O continente africano tem grandes alternativas para fazer a transição energética de combustíveis fósseis para energias limpas.
P. José Vieira
Missionário Comboniano
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Os bispos africanos denunciaram recentemente que «as alterações climáticas podem expor mais de 100 milhões das pessoas mais pobres de África a secas, inundações e calor extremos até 2030». É trágico que os mais empobrecidos do continente que menos contribuiu para a pegada global de carbono e que mais energias renováveis usa estejam a pagar a factura do aquecimento global causado pela queima de combustíveis fósseis.

De facto, enquanto a América produz só 12,4 por cento da electricidade que consome através das energias renováveis, a Europa 15,3 por cento e a Ásia 16,8 por cento, a África gera mais de metade electricidade recorrendo a fontes limpas e contribui com apenas três por cento para as emissões globais de CO2. Por outro lado, 18 por cento da população mundial vive em África, mas só consome seis por cento da energia global. Mais de metade da população do continente ainda não tem acesso à corrente eléctrica.

O continente, contudo, tem grandes alternativas para fazer a transição energética de combustíveis fósseis para energias limpas. Detém 60 por cento da capacidade solar mundial e um potencial de cerca de 59 mil gigawatts de energia eólica. A África do Sul, por exemplo, está a evoluir do carvão para o óleo e o gás como primeiro passo para a descarbonização. O País do Arco-Íris é o líder absoluto na produção eléctrica com energias solar e eólica no continente.

A Etiópia também tem investido na descarbonização. Em 2024, o Governo proibiu a importação de veículos com motores atmosféricos. A mudança para veículos eléctricos, contudo, traz algumas dificuldades: a tecnologia é mais cara e desvaloriza-se rapidamente, a distribuição da electricidade é errática e os mecânicos com conhecimentos técnicos são muito poucos. Além disso, o país inaugurou em Setembro, no Nilo Azul, a Barragem da Grande Renascença Etíope, a maior hidroeléctrica do continente, capaz de gerar 5,15 gigawatts. E instalou o quinto maior parque eólico do continente.

Apesar de os custos de produção das energias solar e eólica e de as baterias terem embaratecido significativamente, a transição energética na África tem de fazer face a vários desafios, sendo o primeiro o do financiamento. A produção de energia solar em África é sete vezes mais cara e ao continente só chega três por cento do investimento global nas energias limpas, muito aquém dos 200 mil milhões de dólares anuais necessários. A vulnerabilidade política do continente assusta os investidores privados e a rede de distribuição de energia eléctrica é obsoleta.

Contudo, a iniciativa Missão 300 quer ligar 300 milhões de africanos à rede eléctrica nos próximos cinco anos, porque a electricidade melhora a economia, produz segurança, promove a qualidade de vida e revoluciona a agricultura.

A produção solar de pequena escala com tecnologias simples e baratas é uma alternativa local a ter em conta porque, além de gerar electricidade, cria emprego com a instalação e manutenção dos sistemas de distribuição. E o continente precisa de parar de cozinhar a carvão.

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Outubro 2025 - nº 761
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