Opinião
03 novembro 2025

O que é a vida?

Tempo de leitura: 3 min
Podemos nunca encontrar uma resposta para «o que é a vida?», mas respiramos, sentimos e pensamos na esperança de um dia aprender definitivamente e plenamente a viver.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Esta foi a pergunta que levou o físico Erwin Schrödinger a escrever um pequeno livro sobre o assunto, e é a pergunta que fazemos nós quando paramos e pensamos um pouco na nossa vida. Por vezes interpretamos mal a pergunta confundindo-a com «o que fazemos na vida?» ou «como vai a vida?», mas «o que é» parece-me ser bem mais profundo.

Alguma vez experimentaste estar à beira de um grave acidente? Ou tiveste já um susto pregado por um inesperado problema de saúde? Perante a possibilidade real de poder deixar de viver, a consciência desperta de um sono alienante que coloca o coração forçosamente no essencial. A vida é uma pérola preciosa de que nos damos conta apenas quando experimentamos que a podemos vir a perder. Ouvi uma vez um pobre no Metro que em voz alta gritava: «Eu não quero morrer. Eu quero é não ter o medo de viver.» Jamais esqueci este profundo e estranho desabafo. Por que razão havia a vida de meter medo? Talvez seja por não sabermos ainda bem o que é a vida na sua essência.

A resposta de Schrödinger à pergunta sobre o que é a vida orienta-se para o modo científico de interpretar a realidade, com leis físicas que determinam o resultado e princípios biológicos que revelam o valor criativo de desfechos indeterminados. Mas «o que é a vida?» pode ser aquele impulso interior que não busca uma resposta final, mas procura o melhor modo de manter viva a pergunta. Pois, enquanto não soubermos a resposta, mantemo-nos vivos a perguntar.

A pergunta sobre o que é a vida está na génese de um debate delicado e infindável relacionado com o aborto. O nosso aspecto, com 24 horas de “vida” após uma fecundação, não era muito diferente de um amontoado de células ainda informes, que muitos têm dificuldade em reconhecer como possuidor de personalidade jurídica. Um embrião é a posição mais frágil que existe para o ser humano, porque está absolutamente à mercê dos outros e não tem consciência (como entendemos a humana) disso. Talvez seja essa pseudo-inconsciência embrionária que aparenta suavizar a consciência de quem pensa que a vida do outro depende de um desejo seu. A fecundação é um passo que inicia uma inevitabilidade. A partir desse momento, o desfecho é um só — nascer —, a não ser que a natureza evolua para a inviabilidade e, espontaneamente, a vida-em-promessa volte para o húmus da Terra. Interiorizar que podemos sempre pôr-nos no lugar do ser humano mais frágil, independentemente da fase do seu desenvolvimento, está na raiz daquilo que a vida pode ser.

Não acham estranho que todos tenhamos pensamentos que não pronunciámos, mas são bem reais para nós? E quanto aos sentimentos que ninguém poderá conhecer, mas que nos afectam profundamente? Como posso saber o que é a vida exterior sem reconhecer a existência do seu aspecto interior?

Podemos nunca encontrar uma resposta definitiva e universal para «o que é a vida?», mas respiramos, sentimos e pensamos na esperança de um dia aprender definitivamente e plenamente a viver.

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EDIÇÃO
Novembro 2025 - nº 762
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