Opinião
06 novembro 2025

A moda dos corredores

Tempo de leitura: 3 min
O progresso é bem-vindo, mas com respeito pelos cidadãos e seus direitos.
---

Cheguei à Etiópia na manhã de 9 de Janeiro de 1993. Adis Abeba, Nova Flor, como foi rebaptizada – os Oromos, esses continuam a chamar-lhe Finfinne – era uma mistura promíscua do velho e do novo, do belo e do feio. O Hilton convivia com casebres feitos de barro, madeira, plásticos ou zinco. Era assim por toda a cidade. As ruas, a pedir há muito nova camada de asfalto para tapar os buracos, eram disputadas por veículos, peões e grandes filas de burros de carga, com gado a pastar placidamente nas rotundas e alamedas. O Governo tinha gastado três décadas a lutar contra os separatistas da Eritreia e a guerra e a corrupção sorveram os dinheiros públicos.

Hoje, Adis – como afectuosamente lhe chamamos – é uma metrópole moderna, cheia de altos edifícios de desenhos arrojados, grandes avenidas à mistura com alguns bairros-de-lata. Transformou-se num estaleiro onde grandes construções nascem um pouco por toda a cidade como cogumelos depois das primeiras chuvas.

O executivo municipal da capital, entretanto, lançou o Projecto de Desenvolvimento do Corredor – assim, no singular – em Fevereiro de 2024, uma iniciativa de transformação urbana para melhorar a mobilidade e segurança, infra-estruturas e espaços públicos. Começou com cinco corredores no centro da cidade. Alargaram as faixas de rodagem e sobretudo os passeios para peões e ciclistas. Construíram fontes luminosas e espaços verdes. Colocaram candeeiros vistosos e árvores nos separadores centrais. Na segunda fase, lançada oito meses depois, a edilidade vai fazer mais oito corredores novos com uma intervenção de 132 quilómetros. Contudo, para alargar vias e passeios, são demolidas lojas, habitações e outras construções sem consultas adequadas ou compensação. Normalmente, as estruturas a destruir são marcadas com um X e os ocupantes têm alguns dias para as desocupar.

O projecto capitalino foi alargado a mais de seis dezenas de centros urbanos e chegou inclusive a Adola, a capital administrativa e sagrada do povo Guji, com quem vivo, a mais de 460 quilómetros da capital. O município exige a demolição do muro da frente da igreja e da biblioteca pública católica e a sua reedificação alguns metros mais atrás, ameaçando com multa se não o fizermos. Uma empresa começou por pedir oitenta mil birr (cerca de 460 euros), seis meses de salário de um professor, para fazer a demolição.

A Amnistia Internacional acusa as autoridades de violar os direitos humanos dos despejados por falta de consultas públicas e planeamento jurídico antes das demolições e pediu uma «pausa imediata» no projecto. O impacto social e psicológico nos residentes obrigados a mudar imediatamente de casa e de lugar também é enorme. Em Jimma, uma cidade no Oeste do país, 15 mil pessoas foram desalojadas por via dos corredores. Depois, pelo menos nalgumas zonas da capital, à noite os corredores estão bem iluminados e com belas fontes decorativas a funcionar, cenário para selfies, enquanto no bairro ao lado não há nem água nas torneiras nem luz. O progresso é bem-vindo, mas com respeito pelos cidadãos e seus direitos.

Partilhar
---
EDIÇÃO
Novembro 2025 - nº 762
Faça a assinatura da Além-Mar. Pode optar por recebê-la em casa e/ou ler o ePaper on-line.