Opinião
17 dezembro 2019

Despertar

Tempo de leitura: 4 min
O que realmente transforma a nossa vida descobre-se no tempo, pacientemente, e no que realmente tem valor fora da moda do momento.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Quando surgiram as redes sociais, o objectivo consistia na aproximação das pessoas, poder partilhar a nossa vida com os nossos amigos e saber daqueles que há muito não vemos pessoalmente. Em muitos casos, acredito, as redes sociais levaram a esses encontros pessoais que constroem os relacionamentos e os tornam duradoiros. Mas, desde que os criadores destas plataformas se aperceberam de como as podiam monetizar, tudo mudou.

Do bem-estar de nos mantermos em contacto com os nossos amigos e familiares, as redes sociais modernas começaram a aproveitar-se disso para investir mais no consumo de conteúdos. Quanto mais tempo nos conseguirem manter colados ao ecrã, mas dinheiro ganham com os anúncios a que nos sujeitam. Anúncios esses direccionados ao nosso tipo de comportamento. Isto é, por cada “gosto” existe um algoritmo que avalia quantas pessoas clicaram em certos anúncios e “gostaram” do mesmo que nós gostamos.

Podemo-nos sentir imunes a este tipo de manipulações até ao dia em que clicamos inocentemente sem nos darmos conta disso. Por isso, o desafio que temos diante de nós é o da consciência plena ou ”noofulness.” Uma noção que proponho como forma de aprender a lidar melhor com o modo como deixamos a nossa vida ser informada pela tecnologia e os conteúdos que por essa nos chegam.

Noofulness é o estado relacional da consciência no qual estamos activamente cientes do presente, questionando o que é novo e o modo como contextualizamos essa novidade na nossa vida.

De acordo com a teoria da difusão das inovações, 2,5% são inovadores e aderem logo a qualquer nova tecnologia que saia para o mercado. São esses que preferem esperar numa fila interminável para comprar o novo iPhone, independentemente dos problemas que possa ter. Depois, 13,5% são os primeiros seguidores, seguem-se os 34% da maioria precoce, depois, os 34% da maioria tardia e, por fim, temos os 16% dos atrasados. Quanto aos últimos, a razão principal pela qual compram um smartphone, por exemplo, é a de não existirem mais dos antigos telemóveis à venda. Esta teoria argumenta que se queremos ver as pessoas aderir em massa a uma ideia, só o conseguiremos se ultrapassarmos o ponto de viragem dos primeiros 15% a 18%. Nesse sentido, será entre os 10% e os 16% que reside o abismo a ultrapassar até que pessoas em número suficiente tenham experimentado a força dessa ideia que testemunhem à maioria precoce que, depois, abre caminho para a grande penetração dessa ideia no mercado de valores.

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Como pode entrar com tamanha força na nossa vida a ideia de que podemos consumir tanto conteúdo quanto quisermos, independentemente do seu valor? Gratificação Instantânea.

Por cada reacção que recebemos ao conteúdo que partilhamos, há um surto de dopamina que se liberta no nosso cérebro e faz-nos sentir bem, importantes e realizados. É biológico. Mas também a consciência nasce da nossa biologia e mostra-nos como podemos ir para além do que é biológico, despertando.

A consciência plena convida-nos a despertar do sono profundo induzido pelas cores saturadas nos nossos pequenos ecrãs e contemplar as cores naturais que nos rodeiam, e nos tiram do isolamento criado pela gratificação instantânea do consumo de conteúdos imediatos. O que realmente transforma a nossa vida descobre-se no tempo, pacientemente, e no que realmente tem valor fora da moda do momento.

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