Opinião
01 janeiro 2020

A paz, caminho de esperança

Tempo de leitura: 4 min
Como artesãos da paz, os crentes mantemos sempre acesa a luz da esperança.
Bernardino Frutuoso
Director
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No planeta existem, actualmente, dezenas de conflitos de alta ou baixa intensidade, que originam sofrimento e causam milhares de vítimas. Este flagelo tem várias causas e motivações, nomeadamente os interesses dos dirigentes políticos e o poderoso comércio de armas, motivado pela lógica do lucro. Segundo revela um recente estudo do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), as vendas das cem maiores empresas de armas aumentaram 4,6 % num ano, para 380 mil milhões de euros, sem incluir as empresas chinesas.

Além dos conflitos declarados e armados, noutros lugares do mundo existem povos que vivem um clima de tensão, medo e repressão. Muitos desses conflitos são esquecidos, não têm eco nos meios de comunicação social, no entanto, a falta de visibilidade mediática não é sinónimo da sua inexistência.

É no contexto deste panorama que a Igreja Católica dedica o primeiro dia do ano a reflectir e orar pela paz. Para facilitar a reflexão, como é habitual desde 1967, o Papa Francisco escreveu uma mensagem que, nesta oportunidade, tem como tema “A paz como caminho de esperança: diálogo, reconciliação e conversão ecológica”.

No texto, o Santo Padre faz uma profunda reflexão sobre a situação mundial. Reitera a sua forte posição contra as injustiças sociais assinalando que «nunca haverá uma verdadeira paz a menos que consigamos construir um sistema económico mais justo». Condena todas as formas de conflitos e apela à superação da lógica do medo.

O papa argentino também evoca o recente Sínodo Pan-Amazónico, realizado em Outubro passado no Vaticano, sublinhando «a falta de respeito pela casa comum, a exploração abusiva dos recursos naturais, vista como ferramentas úteis apenas para benefício imediato, sem respeito pelas comunidades locais, pelo bem comum e pela Natureza». Apela, por isso, a uma conversão ecológica, que permita mudar o nosso estilo de vida e manter uma relação harmoniosa com a Mãe Terra.

Vivi em Bogotá, Colômbia, quando os narcotraficantes e as guerrilhas tinham posto a cidade e o país a ferro e fogo. Percebi as consequências devastadoras das hostilidades, a curto e longo prazo, na vida das pessoas: morte, violações constantes dos direitos humanos, deslocamento forçado, recrutamento de crianças-soldados, pessoas feridas física e mentalmente, medo, desconfiança, vingança. Conheci e participei em muitas iniciativas em prol da construção da paz, do diálogo, do perdão e da reconciliação. Aprendi que a paz não consiste na ausência de conflitos, que são inerentes à natureza do ser humano, mas na capacidade que temos para os resolver de modo não-violento. Como refere o sociólogo norueguês Johan Galtung, o conflito assenta num triângulo com três vértices inseparáveis: contradição, atitudes, conduta. A paz só é possível quando se consegue trabalhar esses três elementos com criatividade, empatia e não-violência.

Apesar da proliferação da cultura de morte e dos tempos sombrios, os discípulos missionários de Jesus Cristo somos chamados a ser missão, a ser fermento de um mundo melhor, testemunhando e colaborando na construção de relações humanas pautadas pela não-violência, a concórdia, a tolerância, a fraternidade, a justiça, o respeito, o perdão e a solidariedade. Como artesãos da paz, os crentes mantemos sempre acesa a luz da esperança, pois como afirma o bispo e poeta brasileiro D. Pedro Casaldáliga, «quanto mais difíceis são os tempos, maior deve ser a esperança». 

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Editorial
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