Opinião
01 fevereiro 2020

Perseguidos e invisíveis

Tempo de leitura: 4 min
As comunidades cristãs perseguidas são sementes vivas do Reino de Deus e sinais de perdão, reconciliação, paz e fraternidade.
Bernardino Frutuoso
Director
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Em Novembro passado, o Papa Francisco celebrou a Eucaristia na Catacumba de Priscila, em Roma. É um cemitério dos primeiros séculos do Cristianismo, que abrange treze quilómetros de galerias subterrâneas. Nessa ocasião, o Santo Padre lamentou que haja «tantas catacumbas noutros países, onde os cristãos devem fingir comemorar um aniversário para celebrar a Eucaristia, que é proibida para eles». E sublinhou que nos dias de hoje «há cristãos perseguidos, mais do que nos primeiros séculos», indicando que, em muitos países, «ser cristão é um crime, é proibido, não é um direito».

Efectivamente, parece que a globalização da violência e a perseguição religiosa estão a ser uma constante no novo milénio. Hoje em dia, segundo os dados do último relatório da Portas Abertas, estima-se que mais de 245 milhões de pessoas no mundo são vítimas de graves perseguições por professarem a fé em Jesus Cristo. Nos 150 países analisados pela organização no último ano, foram assassinados 2983 cristãos, 3711 foram detidos e 9488 igrejas foram atacadas. São números dramáticos, em constante aumento. Além disso, milhões de fiéis cristãos são oprimidos, humilhados, torturados, discriminados, condicionados na vida privada e pública por causa da sua crença religiosa.

São múltiplos os motivos para oprimir e perseguir as comunidades cristãs. Relacionam-se com o ressurgimento do fundamentalismo islâmico, mas também com as questões do nacionalismo religioso de algumas nações, nomeadamente a China e a Índia, enfrentamentos de tipo étnico ou tribal, acções de controlo social de governos autoritários ou ditatoriais.

A perseguição aos cristãos é um escândalo e um retrocesso civilizacional. À discriminação, incerteza, impotência, medo e dor que sofrem esses crentes, junta-se a pouca relevância que lhes é dada no cenário internacional. E essa indiferença social deve ter alguma explicação. Regis Debray (n. 1940), um filósofo e cientista social francês, menciona a metáfora do «ângulo morto», aquele que as câmaras de cinema e fotografia ignoram. Usando essa representação simbólica como chave para interpretar este fenómeno social, pode-se compreender que, para o mundo ocidental, os cristãos perseguidos não são visíveis, não inquietam, não interessam, não são uma prioridade.

Hoje, os cristãos são um dos maiores colectivos sociais vítimas de hostilidades, apesar dos muitos tratados internacionais que consagram o direito fundamental da liberdade religiosa. Apesar disso, nos mais variados contextos sociais de sofrimento, intolerância e acosso em que vivem, esses discípulos de Jesus não sucumbem, mantêm-se fiéis no seguimento do Mestre de Nazaré. Em muitos países, os missionários acompanham-nos nessa peregrinação marcada pelo sofrimento e a morte – no ano passado foram assassinados 29 católicos, homens e mulheres, testemunhas do Evangelho sem fronteiras e do amor universal. Essas comunidades cristãs perseguidas são sementes vivas do Reino de Deus e sinais de perdão, reconciliação, paz e fraternidade. São um apelo constante para a construção de um mundo melhor, onde se consolide o respeito pela dignidade e os direitos de todos.

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Editorial
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