Opinião
09 março 2020

Economia, crise e discernimento

Tempo de leitura: 3 min
O desafio moral de qualquer economia está no modo mais justo como trata os mais pobres e os mais sós.
António Bagão Félix
Economista
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O Papa Francisco tem vindo a denunciar, de uma maneira frontal, directa e corajosa, os problemas que advêm do que apelidou de tristeza individualista, individualismo pós-moderno e globalização da indiferença.

Entre muitas considerações, salientou: «Hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social.»

No plano da vida económica e social, o princípio fundamental da Doutrina Social da Igreja é o princípio da centralidade e dignidade da pessoa humana enquanto sujeito e fim de todas as instituições. Associado a este princípio está o direito à propriedade privada mediante o trabalho, mas que não sendo absoluto e intocável está subordinado ao direito ao uso comum. Logo, a propriedade privada é um meio, não um fim em si mesmo.

Nas suas reflexões, Francisco assinala que a crise financeira global, apesar de esforços positivos, não se afirmou plenamente como uma oportunidade para «desenvolver uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e uma nova regulamentação da actividade financeira, neutralizando os aspectos predatórios e especulativos e valorizando o serviço à economia real».

Os mercados não são capazes de se auto-regular, pois que lhes falta a perspectiva mais social e até personalista (coesão social, honestidade, confiança, segurança) e a capacidade de corrigir ou prevenir «as desigualdades, assimetrias, degradação ambiental, insegurança social, fraudes...».

Hoje, mais de 50% do comércio mundial é efectuado por grandes grupos que reduzem a carga tributária deslocando os lucros de uma sede para outra, segundo as suas conveniências, transferindo os ganhos para os paraísos fiscais e os custos para os países de elevada imposição tributária. «Tudo isto subtrai recursos decisivos para a economia real e contribuiu para gerar sistemas económicos fundados na desigualdade».

Recordo aqui uma estimativa conservadora da ONG Oxfam de 2013: o dinheiro em paraísos fiscais terá atingido um valor superior a 14 000 000 000 000 de euros, o que equivale a 19,5% do total mundial de depósitos e a 70 vezes o PIB actual de Portugal! Estima-se, igualmente, que a perda de receitas fiscais directas que resultaram desta evasão tenha chegado a 160 000 000 000 de euros.

Em suma, ética e solidariedade devem fazer parte da economia, enquanto expressão humana e solidária das pessoas e dos povos. O desafio moral de qualquer economia está no modo mais justo como trata os mais pobres e os mais sós. 

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Abril 2024 - nº 745
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