Opinião
01 junho 2020

(Pós-)pandemia em África

Tempo de leitura: 4 min
Sendo a pobreza a principal determinante da covid-19, ataca mais a saúde e a sustentabilidade económica das camadas mais excluídas da população.
Bernardino Frutuoso
Director
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A covid-19 alterou a nossa vida à escala global. No entanto, o impacto e os desafios da (pós-)pandemia não são iguais em todos os países do mundo e para todas as pessoas. Como refere o investigador Benjamin Smart (ver páginas 26-29) recorrendo a uma bela metáfora, «até podemos estar a enfrentar a mesma tempestade, só que nos encontramos em barcos diferentes». A África enfrenta esta forte tempestade da covid-19 com barcos muito frágeis.

A primeira vaga da covid-19 está a revelar a debilidade dos sistemas de saúde pública nos países africanos. No início de Abril, o Financial Times informava que a Serra Leoa dispunha de um único ventilador para a sua população de 7,5 milhões de pessoas e a República Centro-Africana de três. No entanto, seja pelo clima, a maior resistência ao coronavírus, a celeridade na aplicação das medidas de confinamento ou por a maioria da população ser jovem, o número de afectados pela covid-19 não é alto: a 25 de Maio, totalizava 3348 mortos e 111 348 infectados em 54 países (dados do África CDC).

Na África, as vagas desta tempestade estão a ter impacto sobretudo no âmbito social e económico. Sendo a pobreza a principal determinante da covid-19, ataca mais a saúde e a sustentabilidade económica das camadas mais excluídas da população. A pandemia «irá agravar as desigualdades existentes e a fome, a desnutrição e a vulnerabilidade à doença» e milhões de pessoas «podem cair na pobreza extrema», avisa António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas. A situação agrava-se nos países que estão a sofrer o impacto simultâneo da covid-19 e outros fenómenos climáticos, nomeadamente pragas de gafanhotos-do-deserto, secas, inundações. Ou naqueles que padecem com outras calamidades: as guerras e os conflitos armados, que têm deixado milhões de deslocados e refugiados; a degradação do meio ambiente e o espólio dos recursos naturais; doenças endémicas como malária ou tuberculose.

Estamos todos a enfrentar a mesma tempestade e, como sublinha o Papa Francisco, não sairemos sozinhos desta crise. São necessárias estratégias globais coordenadas e respostas solidárias. O secretário-geral da ONU pediu à comunidade internacional apoios financeiros para os países africanos em extrema necessidade. Dificuldades acrescidas devido à diminuição considerável das receitas, sejam as remessas dos emigrantes como a exportação de matérias-primas, em particular do petróleo. Por isso, os governos africanos, no âmbito de uma estratégia comum de luta contra a covid-19, estão a desenvolver negociações para obter o perdão da dívida e, assim, terem recursos para financiar os sistemas de saúde pública e garantir o direito à saúde dos cidadãos.

Múltiplas vozes têm vindo a reclamar mudanças significativas no rumo do planeta. O activista ambiental francês Nicolas Hulot sugere a adopção de cem princípios para um novo mundo. Uma iniciativa apoiada, entre outros, por Muhammad Yunus, economista e Prémio Nobel da Paz. Na mesma linha, D. Muyengo Mulumbe, bispo de Uvira na RD do Congo (ver páginas 30-33), propõe a construção de uma nova ordem mundial, alicerçada nos pilares da conversão ecológica, consciencialização do horizonte comum, espiritualidade criativa e protecção mútua. Só assim podemos sonhar com um futuro melhor para África e a Humanidade. 

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Editorial
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