Opinião
16 dezembro 2020

Responder a todos ou não, eis a questão

Tempo de leitura: 8 min
Há tempos explorei a ideia de haver uma «emailoecologia»* pensando na dimensão ambiental do e-mail como ferramenta digital que todos usamos cada vez mais.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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E, por isso, deveríamos pensar se a usamos com o propósito para que foi criada, ou se estaremos a usar de forma que se torna um intruso e entrave à vida profunda. É esse o desafio que algumas pessoas sentem com o “Responder a Todos”, mas penso que não seja somente ao nível ambiental.

As emissões de gases com efeito de estufa por via dos e-mails poluírem é um resultado da sua massificação. E, sobretudo, do desconhecimento que as pessoas têm da relação existente entre os e-mails enviados e o aumento das emissões.  

Inicialmente, apenas os computadores das empresas conseguiam enviar e-mails (anos 1960). Depois do alvor da internet em 1995, passámos a poder enviar e-mails a partir de casa. E, por fim, com a internet nos telemóveis, em que tudo é feito através de um ecrã, mais fácil se torna ainda o envio de e-mails (sobretudo depois de 2007 com o lançamento do iPhone).

Só mais tarde, com a experiência da necessidade de mais servidores em todo o mundo para lidar com o aumento exponencial do uso do e-mail é que surgiu a reflexão sobre o impacte ambiental que esses estavam a gerar. Por isso, agora mais do que nunca, precisamos de estar cientes das reais razões para enviar um e-mail ligadas, essencialmente, ao nosso desejo de comunicar. Hoje, isso vai para além do aspecto funcional do e-mail e começa a entrar no aspecto relacional de toda a comunicação.

O que queremos, realmente, comunicar quando enviamos um e-mail mais pessoal, senão um pouco de nós próprios? Mas, estaremos com o e-mail a fazê-lo no momento, e contexto  apropriados? Ou correremos o risco, com o manancial de e-mails que muitas pessoas recebe, de a comunicação de alguém, dirigida a tantas pessoas, perder a pessoalidade que a comunicação profunda exige?

Nesse aspecto, uma carta possui um grau enormíssimo de pessoalidade, sobretudo se escrita à mão (quando a letra é legível, claro). É sobre uma valorização consciente daquilo que queremos comunicar por e-mail que entra a relação entre o “responder a todos” e o meio ambiente.

O "responder a todos" pode tornar-se “poluidor” numa troca desnecessária de mensagens. Um exemplo. Existem muitos e-mails enviados à grupos de pessoas em que os emissários da mensagem pedem para que confirmem alguma coisa. Por exemplo, a disponibilidade para participar num evento, o tipo de alojamento que pretendem das opções oferecidas, ou se almoçam, etc. E quando fazia parte do grupo de pessoas que recebia esse tipo (legítimo) de e-mails, havia quem “respondesse para todos”, poluindo, claro. Por que razão? Por não terem sido “todos" que pediram essa informação a cada um, mas apenas a(s) pessoa(a) que assinou(aram) aquele e-mail. Logo, deveríamos responder apenas a essa(es).

Por outro lado, quando uma pessoa responde a alguém, mas envia esse mail a mais pessoas por achar que devem saber da sua resposta, acaba, também, por poluir. Pois, nem sempre quem é colocado em CC (Com Conhecimento) sente que devia ter conhecimento da troca de mensagens entre essas pessoas. Recordo-me de uma experiência no âmbito profissional a esse respeito e foi um desastre. Ou seja, não só se polui o ambiente com e-mails desnecessários, como também se polui o mais sagrado de tudo o que são os relacionamentos.

No mundo permeado de e-mails para tudo e mais alguma coisa, é cada vez mais necessário sermos criteriosos no conteúdo daquilo que enviamos por e-mail a muitas pessoas. Pois, deve-se salvaguardar a possibilidade de não quererem receber e-mails da nossa parte. Refiro isto por ser a razão pela qual se criam as mailing lists de modo a partilharmos os artigos que escrevemos, por exemplo, nos blogues, jornais, revistas (como a Além-Mar) ou sites institucionais.

Em síntese, a boa prática sugere que respondamos a todos apenas quando temos a certeza absoluta de que a nossa mensagem se dirige a todos, e não apenas a um ou mais, mas não a todos.

Por fim, há que salientar algo em relação às redes sociais. Pois, são de todos os serviços digitais existentes no mundo os mais poluidores, e, francamente, é acima do que qualquer “responder a todos” por e-mail. Porquê? Imagens.

A quantidade de energia necessária para armazenar todas as imagens sobre tudo e mais alguma coisa nos servidores, independentemente de terem interesse ou não, é muito elevada e produz mais CO2 do que seria desejável. Por outro lado, há um risco que as pessoas menosprezam. Pois, se uma imagem vale mais do que mil palavras, mil imagens, da mesma coisa, valem muito pouco ou coisa nenhuma. Isto é, a massificação da comunicação pode levar à “trivialização” daquilo que queremos comunicar. E, como acredito que comunicar é comunicar-se, corremos o risco de nos tornarmos, gradualmente, triviais, como triviais os relacionamentos que estabelecemos. Mas, o aspecto que liga as redes sociais à onda do “responder a todos” é a criação de praças públicas digitais.

Sem se darem conta, as pessoas têm feito das redes sociais e dos grupos de WhatsApp uma verdadeira praça pública de mensagens pessoais. Exemplo mais crasso: os aniversários.

A quem pretendem chegar quando dar os parabéns a alguém implicou publicarem uma mensagem no grupo? A essa pessoa? Ou a todos porque – imagino – pensam na possibilidade de haver alguém que não saiba? Não me parece a abordagem mais pessoal.

Creio ser uma boa prática felicitar alguém pessoalmente. Porque comunicar é comunicar-se e um modo privilegiado de entrar em comunhão com o outro. Isso dificilmente se faz numa praça pública.

Este proliferar do “responder a todos” pode ser, também, uma questão de design dos serviços de e-mail que as pessoas usam que coloca essa opção de resposta por defeito. E aqueles que têm mais dificuldade acabam por poluir por não saber. Mas nada nos impede de mudar e aprender.

E para quem envia e-mails para muitas pessoas, a boa prática é a de se usar o BCC para colocar os vários endereços de e-mail, e dirigir a mensagem ao próprio. Assim, evita-se que a resposta por defeito vá para todos. É um modo simples de educar os sistemas, sem comprometer a privacidade das pessoas. E, por fim, talvez “responder a todos” ou não, seja mais um acto de ponderação, do que um dilema em questão.

* «Emailoecologia» em Agência Ecclesia: https://agencia.ecclesia.pt/portal/emailoecologia/

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