Opinião
13 maio 2019

O drama do ébola

Tempo de leitura: 5 min
A RD Congo está a braços com o surto mais grave de ébola em quarenta anos.
P. José Vieira
Missionário Comboniano
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As províncias de Kivu-Norte e Ituri, no Leste da República Democrática do Congo, vivem sob ameaça mortal do vírus do ébola desde 1 de Agosto de 2018. A epidemia de febre hemorrágica foi declarada no Verão passado e a Organização Mundial da Saúde diz que, até Abril, havia 1168 casos registados (1102 foram confirmados e 66 são suspeitos) e 741 mortes (675 confirmadas e 66 prováveis), incluindo 85 casos e 30 mortes de prestadores de cuidados de saúde. Mais de metade das vítimas são do sexo feminino, e 30 por cento são crianças.

O vírus do ébola foi identificado em 1976 em dois surtos distintos: em Nzara (no então Sul do Sudão) e Yambuku, uma área florestal junto ao rio Ébola, no Zaire, de onde recebeu o nome.

O morcego-da-fruta é o hospedeiro do vírus (de que se conhecem cinco estirpes) e transmite-o aos humanos através do sangue e outros fluidos e secreções de animais selvagens (chimpanzés, gorilas, macacos, antílopes e porcos-espinhos) que comem fruta contaminada com a sua saliva. Os humanos transmitem o vírus uns aos outros através dos fluidos corporais.

A República Democrática do Congo (este surto é o décimo e o mais mortífero desde 1976), o Uganda, a República do Congo e o Gabão são os países mais afectados pelo ébola. Normalmente os surtos surgem nas florestas tropicais. Contudo, o evento mais mortífero que infectou quase 29 mil pessoas e matou mais de 10 mil entre 2013 e 2016 na Serra Leoa, Guiné e Libéria, na África Ocidental, ocorreu em meios urbanos e rurais.

O surto no Kivu-Norte está longe de estar dominado, apesar dos esforços das organizações internacionais de saúde e do Governo – que montaram uma dúzia de centros de tratamento e campanhas de vacinação. Dois elementos dificultam o combate ao vírus e a assistência às vítimas: a desconfiança por parte das populações e os elementos armados – que atacaram vários centros de tratamento.

«É das coisas mais complicadas daqui», afirma o P.e Claudino Ferreira Gomes, um missionário comboniano que vive em Butembo, sobre os ataques. «Não se sabe bem quem ataca. Hoje houve mais um ataque, com incêndio e a morte de um polícia. Um dos assaltantes foi ferido, está no hospital e vai ser interrogado para se saber donde vem, quem são os mandantes, etc. Há vozes que acusam os que vêm tratar o vírus como sendo eles quem o trouxe! Outros não acreditam que essas equipas sanitárias se interessem pelo ébola, mas que andam a fazer tráfico de órgãos.»

Um dos envolvidos na polémica do ébola é o bispo católico de Beni-Butembo. Escreveu uma mensagem a encorajar as populações a colaborar com os técnicos de saúde e a tomar os medicamentos, criticando quem propõe as rezas em vez dos remédios para tratar a doença (até por interesses económicos, porque uma bênção paga-se). Em resposta, grupos armados começaram a assaltar instituições ligadas à Igreja Católica, incluindo um centro de retiros dos Combonianos.

Os ataques aos centros de tratamento põem a região em risco: sem equipas sanitárias, o vírus pode matar mais de 60 por cento dos habitantes de Butembo e levar à quarentena da região. Representa ainda uma ameaça mortal para as áreas fronteiriças do Uganda, Ruanda e Sudão do Sul (sobretudo Yei, onde combates entre forças do Governo e da oposição não permitem a presença de equipas de saúde no terreno). 

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