Opinião
29 novembro 2022

Querer e desejo entrelaçados

Tempo de leitura: 3 min
Dedicar-se e interessar-se pelos outros, e por aquilo que estão a viver, pode tornar-se o antídoto que gera a reciprocidade que queremos viver em nós.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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(© 123RF)

 

Há uma pergunta que expressa a curiosidade de saber o que o outro considera que o faz feliz: «O que queres?» Uma vez explicaram-me que “querer” é diferente de “apetecer”. Nós só “queremos” o que nos faz bem, enquanto o que nos “apetece” pode ou não fazer-nos bem. Como discernir entre o “querer” e o “apetecer”? Talvez possamos seguir o aroma do desejo.

No dia 12 de Outubro de 2022, o Papa Francisco na sua catequese semanal reflecte sobre o desejo como elemento fundamental para um discernimento. Achei curioso que o papa encontre um sentido novo para o desejo a partir da raiz latina da palavra. Diz: «A palavra italiana vem de um termo latino muito bonito, isto é curioso: de-sidus, literalmente “a falta da estrela”, desejo é uma falta da estrela, falta do ponto de referência que orienta o caminho da vida; ela evoca um sofrimento, uma carência e, ao mesmo tempo, uma tensão para alcançar o bem que nos falta. Então, o desejo é a bússola para compreender onde estou e para onde vou.»

Estas palavras fazem-me recordar uma expressão que o meu director espiritual quando eu era jovem me disse: «Muitas vezes, experimentamos o desejo do desejo de sermos desejados.» Na altura pensava ser somente um trocadilho. Hoje, compreendo como todos sentimos a falta de que o outro sinta falta daquilo que sentimos falta. Pois, o relacionamento com os outros é de tal forma existencial que a unidade entre nós é estruturante. Mas isso implica uma atitude da parte de cada pessoa que nem todos se dão conta disso – interessar-se.

Muitos dos maiores crimes a que assistimos nas camadas jovens, como nos tiroteios ocorridos nos Estados Unidos da América, advêm de eles sentirem que ninguém se interessa por eles, conduzindo-os a uma solidão atroz que resulta num desejo a saciar com um mal terminal feito a si e aos outros. Mas também os adultos podem sentir o mesmo. A diferença está no grau de maturidade que, nos adultos, pode ser suficiente para esconder o sofrimento que sentem dentro de si. Alguma vez sentiste que os outros não se interessam por ti? Alguma vez te sentiste invisível? Indesejado? Isto é, não sentem a tua falta porque te consideram sempre presente e “fazes parte da mobília”?

Às vezes, até não nos importaríamos de ser invisíveis, mas o interesse recíproco é um passo na direcção de sabermos melhor o que o outro está a viver e, assim, poder chorar com ele quando não verte lágrimas, ou rir com ele quando os lábios não se esticam.

Quando partilhamos este sentimento com os outros, há quem não compreenda o que podemos sentir e alerta-nos para a oportunidade que sair da invisibilidade pode representar para o nosso crescimento pessoal. Mas, se não encontrarmos espaço para isso, e discernirmos o caminho a seguir, o “querer” desalinha-se com o desejo, despertando o sentimento de tristeza.

Saímos da tristeza quando saímos de nós próprios. Pode não nos apetecer, mas dedicar-se e interessar-se pelos outros, e por aquilo que estão a viver, pode tornar-se o antídoto que gera a reciprocidade que queremos e desejamos viver em nós. 

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