Opinião
16 novembro 2022

COP27, o que falta?

Tempo de leitura: 7 min
Todos os anos celebramos o Natal, e todos os anos se realiza uma cimeira sobre as alterações climáticas (COP). E tal como o Natal, as luzes da ribalta acendem-se nesta época do ano para se apagarem depois da sensação do momento. O que teria de mudar para gerar mudança? O que está em falta?
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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(© James-Wheeler)

 

A Ucrânia foi à COP27 falar do ecocídio cometido nesta guerra. Dipti Bhatnagar, membro dos Amigos da Terra Internacional em Moçambique diz que — «os projectos de renováveis baseados nas comunidades que funcionam em prol das pessoas, não das corporações, são uma necessidade.» O que está em jogo continua a ser a perspectiva económica da transição energética, pelo que os estilos de vida continuam omissos de muitas destas intervenções. O Papa Francisco tem sido das poucas vozes que apela para a tomada de consciência dos nossos estilos de vida, referindo o aniversário da Plataforma de Acção Laudato Si’ que conta já com mais de 6000 participantes de todo o mundo, mas que considero ainda insuficiente para produzir um impacto global que inspire a mudança de mentalidades. O que falta? Talvez falte conhecer melhor esta Plataforma.

A Plataforma de Acção Laudato Si’ é uma iniciativa do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral para ajudar todos os Católicos a desenvolver um estilo de vida Laudato Si’. A proposta é a de um percurso de sete anos orientado por sete objectivos.

Dois dos primeiros objectivos respondem ao gritos da Terra e dos pobres. O Antropoceno é a palavra que expressa como as nossas acções começaram, desde os anos 1950, a mudar a face do planeta. Esta mudança intensificou os eventos climáticos catastróficos, aumentou a perda de biodiversidade, ameaçando a sustentabilidade ecológica planetária. O planeta permanecerá apesar das nossas acções. Nós é que podemos não sobreviver a não ser que mudemos o nosso estilo de viver, mover e existir. Responder ao Grito da Terra é o objectivo que envolve mudanças culturais relacionadas com a eficiência energética, a pegada de carbono, novas interacções relacionais com a biodiversidade, e promover a sustentabilidade a diversos níveis desde a agricultura à água potável para todos, sobretudo para os mais pobres. Responder ao Grito dos Pobres é o objectivo que reconhece como as alterações climáticas geram injustiça para com os que possuem menos recursos. Todos somos chamados a ser solidários uns com os outros e a prestar especial atenção para com os mais vulneráveis, da criança em risco à comunidade indígena, do refugiado ao migrante.

Um terceiro objectivo dirige-se aos recursos e relacionamentos sociais através de uma economia ecológica. Apesar de ser apenas uma das muitas dimensões da acção humana, a economia impulsiona ainda a sociedade. Por esta razão, a economia afecta a biosfera e ecosfera a partir do seu interior. O que produzimos e como; o que consumimos e quanto; os investimentos éticos que fazemos e, também, os desinvestimentos que danificam o ambiente (como os combustíveis fósseis); tudo exige uma nova economia ecológica que traga o cuidado ao trabalho, a sobriedade à indústria e a dignidade aos trabalhadores.

O quarto e quinto objectivos relacionam-se com a nossa capacidade de aprender. O objectivo de adoptar estilos de vida sustentáveis procura (re)educar o modo como gerimos os nossos recursos, não tomando mais do que precisamos e diminuindo o desperdício nesse processo. Nós podemos reciclar mais e melhor, mas construir hábitos duradoiros no modo como comemos, movemos e consumimos é a mudança que gera uma nova cultura ecológica. Uma educação ecológica aponta para o (re)pensar e (re)desenhar a forma como nós aprendemos a integrar uma consciência mais ecológica com a acção. Neste caso, a promoção dos direitos humanos, incluindo o direito à educação, liderança ecológica, restaurar os sistemas ecológicos e desenvolver um novo sentido comunitário é de suma importância.

O sexto objectivo corresponde ao maior envolvimento da comunidade e acção participativa porque todos somos protagonista, não somente os políticos que se reúnem na COP27. Estamos dentro de uma aldeia global, como dizia Marshall McLuhan, e, por isso, todos estamos conectados. Porém, as nossas comunidades são a realidade que dá sentido de pertença a um lugar e familiaridade com os ecossistemas presentes onde habitamos. Os políticos autênticos não querem decidir por nós, mas connosco, implicando um envolvimento maior da nossa parte na acção política e social.

Para o fim, deixei o objectivo que considero ser o mais fundamental e unitivo de todos: a espiritualidade ecológica. A criatividade humana é o sinal universal de como a dimensão espiritual está impressa por Deus nos nossos corações e mentes desde a criação. Manifestamos muitas vezes por cartazes que devemos "Salvar o Planeta" ou "Protejam o Ambiente", mas o que precisa de salvação e protecção é o nosso relacionamento com a Terra e os seus ecossistemas, para além do relacionamento entre nós, humanos. A espiritualidade ecológica é um objectivo unitivo porque renova o nosso relacionamento com o mundo natural através de experiências de contemplação, louvor, alegria e gratidão. Todas as acções de um coração contemplativo prezam o tempo de celebrar, meditar, aprender e rezar.

Conhecer iniciativas como a Plataforma de Acção Laudato Si’ pode suprir a falta de consciência de que o pouco feito por cada um, possui o efeito global necessário para garantir às gerações futuras um mundo com estilos de vida sustentáveis. Mas se nos ficarmos pelo conhecimento desta iniciativa será ainda pouco. O que falta?

Falta inscrever na Plataforma de Acção Laudato Si’, arregaçar as mangas, e sermos protagonistas da história do nosso planeta para os próximos séculos. Parece um exagero, mas, infelizmente, não é. Aquilo que nós fizermos na próxima década será determinante para a sustentabilidade planetária e para o respirar físico, social e cultural que deixaremos às gerações futuras.

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