Opinião
21 dezembro 2022

Uma prenda grátis de que todos gostam

Tempo de leitura: 4 min
Oferecer a nossa atenção é grátis e pode exigir a saída de nós próprios, mas fará do Natal uma festa relacional.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Qual a melhor prenda que podes oferecer este Natal? Sugiro que ofereças a tua atenção. Foi surpreendente a experiência de ver as pessoas a encher os centros comerciais já em Novembro, com caixas na mão ou carros de supermercado cheios de brinquedos. Os meus filhos chegaram a comentar: «Será que as pessoas sabem que ainda estamos em Novembro?» Depois percebi que seria, provavelmente, a semana da Black Friday, e que as pessoas estavam atrás das promoções. Mas é isso o Natal? Oferecer a alguém algo aproveitando uma promoção?

Nada há que mais encha o coração de uma pessoa como quando lhe prestamos atenção e mostramos como ela nos interessa. Em 1890, no seu livro Os Princípios da Psicologia, William James escrevia que a atenção é «o tomar de posse pela mente, de um modo claro e vívido, de algo entre os muitos possíveis objectos ou pensamentos presentes simultaneamente». Quando uma atenção assim se dirige a outra pessoa, o resultado é fazê-la sentir-se como se fosse a única pessoa no mundo para nós naquele momento. Por isso, diante da corrida das pessoas a prendas grandes em promoção, por que razão o fazem? É para demonstrar atenção a quem pretendem oferecer, ou apelar à atenção de quem oferecem sobre si mesmas?

O interesse recíproco que resulta de prestar e captar a atenção acrescenta valor ao outro, mas também aquele que presta atenção pode sentir-se valorizado. Ao oferecer uma prenda grande ou valiosa a alguém, pretendemos mostrar como nos interessamos por essa pessoa ou captar o seu interesse sobre nós? A centralidade natalícia nas prendas é um jogo psicológico que pode desvirtuar o clima mais profundo subjacente a esta experiência. Dizem muitos ser a festa da família, mas é lícito questionar se não será, ainda, a festa das prendas e do consumo.

Se a prenda que oferecermos no Natal fosse a nossa atenção a cada um, o clima gerado seria mais relacional e centrado nas pessoas do que nas prendas. E, também as prendas, se fossem algo que demonstrasse ser parte da nossa atenção, não seria necessário correr atrás de qualquer promoção.

Recordo como num Natal, quando era adolescente, ter decidido oferecer a cada pessoa uma coisa feita por mim. E de todas as prendas, a que recordo ainda hoje foi um cálice feito das metades da casca de uma noz que ofereci à minha prima Palmira porque sabia quanto a espiritualidade era importante para ela. Hoje, penso naquele cálice como o resultado de ter prestado atenção à sua vida e ao que ela considerava ser essencial.

Por outro lado, quando ofereciam aos nossos miúdos um brinquedo com som azucrinante, pensava que a ideia que tinham de criança centrava-se mais na brincadeira do que na sua pessoa. E a demonstração era a de que a brincadeira durava uma a duas semanas e o brinquedo era posto de lado. Mas jamais esqueci quando o meu primo José Gil pediu a todos num Natal para fazermos um desenho e disse que o meu era o que mais expressava o que ele esperaria. Não me lembro do que pediu para desenhar, mas da atenção que me dedicou.

Oferecer a nossa atenção é grátis e pode exigir a saída de nós próprios para escutarmos o que interessa ao outro, mas fará do Natal uma festa relacional. 

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