Não estamos a falar de igrejas, missas ou livros sagrados, mas de crenças mais rudimentares, espalhadas pelo tempo como fósseis espirituais. Bastava um trovão, um eclipse ou um animal estranho para acender nos nossos antepassados a centelha do mistério. E onde há mistério, há vontade de explicar — nem que seja com histórias de espíritos, sombras e forças invisíveis.
Tomemos como exemplo a célebre Vénus de Willendorf: uma estatueta com cerca de trinta mil anos, que cabe na palma da mão e ostenta formas generosas. Já foi chamada deusa da fertilidade, ídolo doméstico e até amuleto pré-histórico. O certo é que alguém a esculpiu com intenção — talvez para pedir colheitas, proteger partos ou simplesmente agradecer à vida. Isso basta para lhe chamar expressão religiosa. Uma proto-religião, se quisermos ser académicos. Ou o princípio de uma longa conversa com os deuses, que ainda hoje continua.
Agora, meus caros leitores — que, por enquanto, ainda não andam na universidade a estudar Antropologia ou História das Religiões, mas lá chegarão —, façam o favor de apontar esta palavrinha: proto-religião. Não a procurem nos dicionários, que ainda não está lá (mas vou lá pô-la brevemente). É o nome que se dá às primeiras crenças dos humanos, antes de haver religiões organizadas, com doutrina, templos ou sacerdotes. Coisas simples, como um gesto ritual, uma estátua de pedra ou um enterro com flores. Pequenos sinais de que o sagrado andava por ali — a fazer-se ouvir, ainda sem nome.