Música
24 março 2023

Discos

Tempo de leitura: 3 min
As nossas escolhas musicais deste mês vão para «Migrants», um disco que cruza os sons de Cabo Verde com os das Américas e da Europa, e «Codex Las Huelgas», mais uma edição de luxo de Jordi Savall.
António Marujo
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Numa entrevista recente à revista Electra, o cabo-verdiano Mário Lúcio fala da crioulização como o resultado de «ser filho de dois continentes e do mar». E acrescenta: «Fechar as fronteiras é um absurdo, o mundo não tem fronteiras. E pode ser realismo utópico dizer que em fez de estarmos a construir fronteiras, deveríamos estar a banir as fronteiras.» A sua obra tem traduzido estas ideias, desde o Kriol, em que trabalhou com artistas de diferentes países e tradições culturais e musicais. Neste Migrants, o músico (que já foi ministro de Cabo Verde e é também escritor e poeta, condições em que assina como Mário Lúcio de Sousa) presta um tributo aos migrantes, à viagem do «ser-se». Nessa entrevista, ele falava ainda do processo de encontro com o outro. A propósito deste seu novo disco, comentava: «É graças à migração que hoje somos tão diversos, porque ousámos ir além, adaptarmo-nos, misturarmo-nos. É dessa audácia dos nossos antepassados comuns que nascemos hoje da paleta de cores e texturas que correm no ADN de todos e de cada um.» O disco nasce de um episódio em que um navio de cruzeiro socorreu um pequeno barco com imigrantes mortos, no Mediterrâneo, levando os corpos para terra e levando alguns dos turistas a pedir uma indemnização porque tinham tido as férias estragadas. «Do outro lado da história, de alguma forma e nalgum momento, fomos virando esta viagem ancestral do avesso, inventámos a separação e pervertemos o que temos de mais belo», comentava ainda Mário Lúcio sobre este seu disco, que cruza os sons de Cabo Verde com os das Américas e da Europa. Um disco filho de dois continentes e do mar, muito mar.

Disco1

Título: Migrants

Autor: Mário Lúcio

Edição: Banzé Editora

Disponível nas plataformas digitais

 

 Disco2

Esta é mais uma edição de luxo que nos é oferecida pelo labor artístico (musical, literário, poético, editorial) do maestro e compositor Jordi Savall, que reúne os três primeiros discos registados por Jordi Savall no início da década de 1990 (obviamente com a voz saudosa de Montserrat Figueras, sua mulher de sempre), aqui recuperados e remasterizados. Savall foi ao Século de Ouro espanhol buscar o Cancionero de la Colombina (Sevilha, final do século XV, o Cancionero de Palacio (Madrid, início do século XVI) e o Cancionero Musical de Medinaceli (final do século XVI). Tal como em muitos outros trabalhos do maestro catalão, a recuperação da música antiga faz-se aqui com uma extraordinária fusão entre a música erudita e a música popular, entre o humanismo e a espiritualidade, juntando baladas, canções de Natal, músicas de dança e muitas outras. Com a qualidade musical sempre aliada a uma rigorosa pesquisa histórico-artística, é um prazer revisitar estes marcos fundadores da Capella Reial de Catalunya, Hespèrion XX, Montserrat Figueras e Jordi Savall.

Título: Codex Las Huelgas

Intérpretes: La Capella Reial de Catalunya e Hespèrion XXI; dir. Jordi Savall

Edição: Alia Vox

vgm@plurimega.com

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