Igreja
19 novembro 2025

A mãe está a morrer!

Tempo de leitura: 6 min
Dom Jesús Ruiz Molina, bispo comboniano de Mbaïki, na República Centro-Africana, partilha connosco a forma como soube e viveu a morte da sua mãe enquanto realizava uma visita pastoral a Bagandou.
D. Jesús Ruiz Molina
Bispo auxiliar de Bangassou, RCA
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Disseram-me os meus irmãos: «A mãe está há quase um mês sem abrir os olhos, sem abrir a boca, sem qualquer reacção... está nos últimos momentos.» Fiquei desorientado, sem saber o que fazer. Ela estava hospitalizada por uma infecção pulmonar, entre muitas outras coisas. Estava a sufocar, mantinham-na com oxigénio e morfina. Os meus irmãos decidiram não prolongar a sua agonia com mais antibióticos. Eu tinha de sair para uma visita pastoral, o meu coração estava partido, naquele mês não tinha um único dia livre. Muitas pessoas esperavam pelas confirmações, pela inauguração de uma capela, pela visita pastoral. Decidi seguir em frente e, com o coração apertado, sabendo que não teria internet durante a maior parte da visita a Bagandou.

Na capela de Monguinza, os recém-baptizados mostraram a sua alegria por serem filhos de Deus. Um jovem de 19 anos, do quinto ano, substituiu o seu pai catequista. Cumprimentei uma idosa, a quem a lepra devorou os pés e que se arrasta com os cotos envoltos em trapos até à igreja. E ela não se queixou, que grande fé! Enquanto a minha mãe agonizava, eu anunciava o Evangelho da vida. Como foi difícil! Em cada comunidade, os cristãos rezavam pela minha mãe em agonia. Havia um silêncio respeitoso entre as pessoas.

Depois, saí para uma zona durante dois dias e não havia internet. Chegando a Kenga, celebrei a eucaristia na pequena capela de Saint Étienne. Oferecemos a missa pela minha mãe. Continuei o meu caminho sem rede telefónica, sem saber nada da minha mãe, o destino era Londo, a 130 quilómetros de Bagandou. Demorámos seis horas de carro, os últimos 20 quilómetros por uma selva densa, com árvores caídas que nos bloqueavam constantemente o caminho; árvores que o abbé [padre] Romeck, polaco, cortou com as duas motosserras que levava no carro. Uma vintena de jovens ia connosco para mover as árvores... uma verdadeira proeza.

Ao cair da tarde, a população de Londo recebeu-nos como se tivéssemos ganho o Tour de France. Estavam todos os habitantes: católicos, protestantes, animistas. Houve festa e folia durante a noite. No dia seguinte, festa da Ascensão do Senhor aos Céu, inaugurei a bela capela de São Jacques, com 21 metros de comprimento por 11 de largura. A comunidade terá uma igreja para os próximos cinquenta anos.

À noite, ao chegar a Bagandou, descobri que a minha mãe tinha falecido na hora em que eu terminava a missa da Ascensão em Londo. O mundo desabou na minha cabeça quando abri as mensagens do WhatsApp. Pobre mãe. Resta-me o consolo da vida eterna; tem de haver uma vida além, o amor não pode morrer; mas que vazio fica aqui na terra quando uma mãe se vai! Que sentimento de orfandade! Como os mortos ficam sozinhos! Embora a fé nos ajude a superar essa provação, embora acreditemos na vida eterna e esperemos, a biologia quebra-se. Descanse em paz, mãe, e ajude-me do Céu.

 

Anunciar a vida

Apesar da notícia, tive de continuar a visita pastoral em Ngouma, os pigmeus estavam à minha espera. Tentei dissimular a enorme tristeza que me invadia, celebrei a missa com eles em sufrágio da minha mãe. Continuei a anunciar a vida, a ressurreição de Jesus, mas o meu coração estava partido com a dor de não a ver mais. Depois tive a catequese com 67 jovens e adultos que no domingo receberiam a confirmação.

Nesse dia, durante um intervalo, liguei para os meus irmãos na funerária de Miranda e dei o último adeus à minha mãe. Não consegui dizer nada. Os funcionários da funerária maquilharam-na de tal forma que lhe tiraram 30 anos. Ela estava linda, com a sua blusa fúcsia, mas depois digo a mim mesmo: essa não é a minha mãe; a minha mãe morreu com o corpo enfraquecido e ferido, o rosto cheio de rugas e dor após tantos anos de sofrimento. A morte é feia, mas nós evitamo-la, escondemo-la. Ao entardecer, a paróquia de Bagandou organizou uma vigília de oração pela minha mãe durante duas horas. A igreja quase encheu; fizemos a adoração ao Santíssimo, o rosário, orações de súplica.

No domingo, confirmei 67 pessoas. A fé uniu-nos, uma mesma família, apesar da cor diferente da pele. A alegria deles dissipou por um instante o meu vazio. Voltando a Mbaïki, parei na casa da mãe Josephine, uma das pobres que ela ajudou. Também encontrei um jovem de cerca de 15 ou 18 anos com hidrocefalia, que além disso está paralisado das mãos e dos pés. Nunca o tinha visto. Ele sorri enquanto se baba. Como a vida é cruel! Quanto sofrimento inútil! Para que serve tanto sofrimento de inocentes? Fazer o bem uns aos outros acalma a minha ansiedade e dá sentido à morte da minha mãe e ao vazio que ela me deixa.

Mãe, descansa em paz nos braços de Deus. Descansa com o pai, com os avós Jesus e Catalina, com os teus irmãos que mal conheceste. Com Jesus, Maria e José. Um dia nos veremos novamente. Mãe, manda-me um beijo de vez em quando, pois sem ti isto é mais triste.

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Novembro 2025 - nº 762
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