Igreja
11 abril 2022

Via-Sacra

Tempo de leitura: 11 min
Todos os anos, na Semana Santa, recordamos a Paixão de Jesus Cristo trilhando com Ele o caminho do Calvário. É a tradicional Via-Sacra, um exercício espiritual de comunhão com Cristo, acompanhando Aquele que deu a vida pela Humanidade e aprendendo d’Ele o «caminho da cruz».
Ismael Piñón
Missionário comboniano
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A Via-Sacra remonta aos primeiros séculos da Igreja Católica. Os primeiros cristãos veneravam os lugares santos, onde viveu, morreu e foi glorificado Jesus Cristo. Muitos desses peregrinos reproduziam, em pinturas ou esculturas, os lugares sagrados que visitaram. Entre os séculos XI e XIII, surgiu, então, a tradição de reproduzir o caminho que Jesus percorreu até à Cruz, para que todos os cristãos pudessem fazer esta homenagem, mesmo que não tivessem possibilidade de ir à Palestina. Porém, foi somente no fim do século XIII que os fiéis organizaram a Via dolorosa do Senhor em etapas ou estações. Cada uma delas era dedicada a um acontecimento do caminho da Cruz e acompanhada por uma oração especial.

Por todo o mundo católico há muitas representações da Via-Sacra, adaptadas à realidade e circunstâncias de cada povo e cultura. Em África há desenhos ou pinturas que, muito frequentemente, adornam igrejas ou locais de culto nos quais se lembra o caminho de Jesus, desde o momento em que foi condenado à morte até à sua Ressurreição. As imagens que ilustram este texto foram pintadas por um artista congolês e agora decoram a capela do postulantado dos Missionários Combonianos no Chade.

01-I

1. a Estação: Jesus é condenado à morte

No século XXI, muitas pessoas continuam condenadas ao esquecimento, à marginalização, mesmo à morte, vítimas da total indiferença daqueles que têm em seu poder acabar com a pobreza, a injustiça ou a desigualdade. Sempre que lavamos as nossas mãos do sofrimento humano por sermos indiferentes ou insensíveis, como Pilatos fez com Jesus, continuamos a condenar à morte aquele que deu a sua vida por nós.

02-II

2. a Estação: Jesus carrega a cruz

Ao carregar a cruz, Jesus toma sobre os seus ombros os males que afligem a Humanidade do nosso tempo: a angústia e as preocupações dos migrantes, dos pobres, dos deserdados; a doença ou a fome que nos fazem perder a esperança; a dor da morte de um ente querido ou o desaparecimento de uma criança nas mãos de bandos criminosos. A nossa dor é a sua dor, as nossas cruzes tornam-se a sua cruz.

03-III

3. a Estação: Jesus cai pela primeira vez

O Filho de Deus também é humano e, com a sua humanidade, é solidário com aqueles que caem por causa da dor do pecado. Quando as dificuldades da vida nos fazem perder a esperança, quando, de joelhos, pensamos que tudo acabou, que já não há esperança, está presente Jesus, solidário connosco, a cair connosco, a sofrer connosco, porque ao assumir a nossa humanidade, faz também sua a nossa fraqueza e a nossa fragilidade.

04-IV

4. a Estação: Jesus encontra a sua Mãe

Não há pior sofrimento para uma mãe do que ver o seu próprio filho morrer. Maria, Mãe de Jesus e nossa mãe, acompanha-nos sempre, especialmente nos momentos mais difíceis da nossa vida. Ela encarna a dor de tantas mães que ainda hoje continuam a ver os seus próprios filhos morrer, vítimas da droga, do crime ou da guerra, desaparecidos, condenados ou torturados que carregam as suas próprias cruzes. A tristeza de Maria ao ver o seu filho crucificado será, no entanto, transformada em alegria renovada no Domingo de Páscoa.

05-V

5. a Estação: Jesus é ajudado pelo cireneu

Esta estação convida-nos a abrir os olhos para ver os muitos «cireneus» que no mundo de hoje continuam a mostrar que Deus nunca abandona o seu povo. Onde há sofrimento, há sempre pessoas de bom coração e atenciosas que arriscam e dão tudo pelo bem dos seus irmãos e irmãs. Nestes tempos de pandemia, por exemplo, pensemos em tantos profissionais de saúde que arriscam a sua saúde e mesmo a sua vida para aliviar o sofrimento de tantas pessoas doentes. O exemplo de Simão de Cirene deveria encorajar-nos a não permanecer insensíveis às dificuldades e sofrimentos dos outros.

06-VI

6. a Estação: Jesus é enxugado pela Verónica

Tal como Simão de Cirene, Verónica aproximou-se de Jesus para tentar aliviar o seu sofrimento, limpando-lhe o rosto. Tal como ela, muitas mulheres continuam hoje em dia a aliviar a dor de tantos doentes, idosos, órfãos ou viúvas, porque sentem no seu próprio ser a dor dos outros. Apesar de terem as suas próprias mágoas, não hesitam em estar ao lado daqueles que sofrem. Secar algumas lágrimas, limpar um rosto suado, curar uma ferida... qualquer pequeno gesto pode servir para mostrar o amor e a misericórdia de Deus.

07-VII

7. a Estação: Jesus cai pela segunda vez

Quando, apesar dos nossos esforços, vemos que as coisas não mudam e que o mundo continua dominado pela maldade da humanidade, o peso das dificuldades torna-se insuportável e nós somos derrotados pela impotência. A segunda queda de Jesus simboliza a de tantos homens e mulheres que já não a suportam e sucumbem. No entanto, sabemos que nem tudo está perdido. Jesus vai levantar-se e continuar o seu caminho até ao fim.

08-VIII

8. a Estação: Jesus e as mulheres de Jerusalém

Onde quer que vamos no mundo, vemos que as mulheres são sempre as mais presentes e envolvidas nas comunidades cristãs. Elas são a principal força motriz da Igreja, que estão sempre presentes quando um serviço é necessário, especialmente quando se trata de ajudar os mais necessitados. Com o seu instinto materno têm aquele dom especial de oferecer misericórdia e ternura àqueles que mais sofrem. Aprendamos com o seu exemplo e reconheçamos a sua dignidade.

09-IX

9. a Estação: Jesus cai pela terceira vez

Três vezes caiu Jesus sob o peso da cruz; e três vezes Ele se levantou novamente para completar a missão que o seu Pai lhe tinha dado. Esta estação deve ajudar-nos a não perder a esperança, a estar convencidos de que, mesmo que caiamos sempre sob o peso dos nossos pecados ou das dificuldades da vida, o Senhor estará sempre presente para nos oferecer a sua força, o seu perdão e a sua misericórdia. A derrota não está em cair, mas em não se conseguir levantar.

10-X

10. a Estação: Jesus é despojado das suas vestes

Em Jesus, que é despojado das suas vestes, estão presentes todos aqueles que são despojados dos seus direitos, dos seus recursos para viver, dos seus bens e mesmo da sua própria dignidade humana. É também uma imagem da despossessão da nossa Mãe Terra, que a Humanidade, intoxicada pelo consumismo, continua a explorar sem medida, roubando-lhe as riquezas, deixando-a cada vez mais nua e desprotegida.

11-XI

11. a Estação: Jesus é pregado na cruz

Com os mesmos pregos que Cristo foi crucificado na cruz, são crucificadas também todas as pessoas condenadas a viver indignamente por falta de amor e solidariedade. Não só são condenadas a viver de uma forma desumana, como são impedidas de fazer qualquer coisa para sair da sua pobreza. Sempre que as portas estão fechadas à liberdade de expressão, educação, cuidados de saúde ou aos recursos mínimos para uma vida digna, milhões de pessoas estão a ser crucificadas.

12-XII

12.a Estação: Jesus morre na cruz

Deus amou tanto o mundo, que deu o seu único Filho para dar vida ao mundo pela sua morte na cruz. Deus quer que todos nós tenhamos vida, e que a tenhamos em abundância. Jesus, morrendo da forma mais humilhante, toma sobre si todo o mal da Humanidade a fim de o regenerar e transformar em vida. A sua morte só faz sentido se a observarmos a partir da Ressurreição. Dar a própria vida por alguém é o maior gesto de amor que um ser humano pode fazer. Deus fê-lo por nós, que nunca o esqueçamos.

13-XIII

13. a Estação: Jesus é deposto da cruz

Neste mundo tão insensível e indiferente ao sofrimento humano, encontraremos sempre uma mão amiga para nos tirar da nossa cruz, uma mão de solidariedade e compaixão que lava as nossas feridas e alivia a nossa dor.

14-XIV

14. a Estação: Jesus é depositado no sepulcro

Deus assumiu a nossa humanidade de uma forma total, a fim de a divinizar. Na sua decisão de se tornar um de nós, Ele quis ir até ao fim. Como dizemos no Credo, Ele morreu e foi sepultado, desceu ao lugar dos mortos para salvá-los e dar-lhes vida. Hoje em dia, Deus continua a descer aos lugares mais miseráveis da Terra. Ele está lá onde parece haver apenas morte e desespero. Está nas favelas, nas estradas perigosas percorridas pelos migrantes, nos hospitais, nas prisões, nas aldeias esquecidas, nas casas destruídas por abusos e guerras... Onde os seres humanos perderam toda a dignidade, ali o Filho de Deus continua a ser sepultado.

15-XV

15.a Estação: Jesus ressuscita dos mortos

Nenhuma das 14 estações antes referidas faria sentido se ignorássemos o que muitos consideram ser a décima quinta estação:

A Ressurreição de Jesus. A paixão de Cristo não pode ser compreendida sem a vitória final da vida sobre a morte. O pecado pode sempre obter o perdão; a doença pode ser vencida com a cura; a tristeza com alegria, o desespero com esperança, a pobreza com solidariedade, a marginalização com acolhimento e a discriminação com tolerância. Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos.

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