Autor e intérprete: Faraj Suleiman
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Como olhará o pianista Faraj Suleiman para as imagens de extermínio do seu povo que todos os dias lhe chegam pela televisão, porventura também pelo telemóvel, enviadas pelos seus familiares e amigos? Radicado em Paris desde 2019, o músico é multifacetado: o seu último disco, «Maryam», é um poema que celebra o sonho e o amor, o céu e a terra, mas que também grita por «uma mão-cheia de ar» e que recorda «fragmentos de memória» e tantas perdas.
No trajecto que o trouxe aqui, Faraj Suleiman já compôs e gravou uma dezena de discos de jazz («Login»), música para cinema (200 Meters, de Ameen Nayfeh, nomeado para os Óscares), canções (Second Verse ou Better than Berlin) e também canções para crianças (Faheem), entre outras obras. Sempre marcado pelos ritmos e pela expressão musical árabe e oriental, Suleiman faz a miscigenação dessas formas com os ritmos e as inspirações do jazz e de formas mais “ocidentais”, como o rock ou mesmo o tango – Tigran Hamasyan e Astor Piazzolla são duas das suas referências.
O resultado conjuga uma profunda expressividade melódica, a que o uso da língua árabe na sua expressão palestina também não será estranho. Um facto que se traduz na sua participação em vários festivais internacionais e em vários prémios já recebidos. E com uma diversidade de apresentação, que inclui composições para piano solo, quartetos, quintetos, arranjos para coro e também peças para orquestra.
Nascido em 1984, em Al-Rameh (Galileia), perto de Haifa, Suleiman iniciou-se no piano aos três anos, orientado pelo seu tio Youssef Basila. Estreou-se com actuações públicas em 2013. Uma delas foi com o artista Banksy, no piano do Walled-off Hotel, em Belém, na Cisjordânia ocupada, em 2020.
E como olhará Faraj Suleiman para o extermínio do seu povo? Quantos amigos ou membros da sua família já terão morrido, assassinados pelas bombas israelitas sob os escombros de Gaza reduzida a escombros? No tema Corro, grito, Maryam, de onde surge o título do disco, Faraj canta: «Eu corro, grito, Maryam/ O céu iluminado de cima/ A terra chorou debaixo de mim/ E as ondas escaparam do oceano/ E a minha mente corre à frente do meu corpo.// Eu grito, Maryam, com toda a minha força/ Indo na contramão de todos os outros/ Sinto o cheiro das rosas, como fogo que elas espalham/ Vejo luz, mas a manhã é escuridão. Corro descalço, vestindo o meu medo/ Um pássaro vagueia acima de mim, carrancudo/ O seu sangue negro, as suas penas secas,/ criando a morte.// Eu grito, Maryam, eu choro, eu caio/ Quanto mais forte paro, mais depressa corro/ Os meus olhos perdem-se, o meu coração escuta/ O som do silêncio.// A tua casa é um monte de histórias espalhadas/ os nossos sonhos sob a tua porta partida/ O teu ciúme morde-a como uma chama raivosa/ E as cinzas da tua alma estão a sufocar.»
E em Uma Mão Cheia de Ar, o músico fala da luz, de um fio de cabelo que brilha e outro que reúne os pensamentos, pedindo «uma mão-cheia de ar» e implorando «salva-me do afogamento».
Quem salva a música de Faraj Suleiman e o seu povo?