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28 junho 2024

Missão na selva central do Peru

Tempo de leitura: 6 min
O padre Pedro Andrés Miguel, missionário comboniano, partilha a sua primeira experiência pastoral na paróquia de San Martin de Porres, em Pangoa, na região da selva central do Peru.
P. Pedro Andrés Miguel
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Já passaram nove meses desde a minha chegada ao centro de formação teológica de Lima (Peru). Terminou o ano académico, que vai de Março a Dezembro, e começaram as férias de Janeiro e Fevereiro. Durante esse período, os estudantes são destinados às nossas missões combonianas do interior do país e os formadores fazem um «safari» para as visitar. Eu estou na comunidade de Santa Teresita, que pertence à paróquia de San Martin de Porres, em Pangoa, no meio da exuberante selva central do Peru.

Quando começava a escrever estas linhas, chegou uma mãe com três crianças, uma delas ao colo. Trazia também um saco de espigas de milho. Era sábado à tarde e vinham do plantio. Assim que descarregaram os produtos do campo, a mãe pôs dois pedaços de abóbora nas mãos de uma das crianças e disse-lhe, na sua língua, que mos viesse dar. Pouco depois, outra criança veio trazer-me outro presente, ou melhor, trazer-nos a nós, porque estou com dois escolásticos, Alex, do Brasil, e Francisco, do Benim. Bendito seja Deus, os pobres evangelizam-nos! 

Todos os habitantes desta comunidade são nomatsiguengas, como se designam a si próprios, um povo indígena com uma visão do mundo e uma história essencialmente orais. São um povo minoritário no Peru, mas estão muito orgulhosos das suas idiossincrasias e promovem os laços familiares dentro da sua própria cultura, o que favorece a endogamia. Embora muitos sejam bilingues, preferem exprimir-se na sua própria língua.

 

Comunidade de Santa Teresita

Foi o padre David, um jovem missionário comboniano congolês, que me trouxe para esta comunidade. Ele está aqui há vários anos e fala a língua local de uma maneira surpreendente.
O Francisco, que está em Santa Teresita apenas há algumas semanas, é encorajado a fazer uma leitura em nomatsiguenga durante a celebração da Eucaristia. Embora a pronúncia não seja perfeita, a comunidade escuta-o com os olhos abertos. O empenho de Francisco dá-lhes um impulso na sua auto-estima, porque descobrem a dignidade da sua língua, que é utilizada por Deus para lhes comunicar a Boa Nova. Apreciam muito positivamente o facto de outra pessoa, vinda de longe, «perder» o seu tempo a estudar uma língua para o bem do outro. Isto torna-nos irmãos e irmãs e podemos anunciar e testemunhar o Evangelho com eloquência. 

A comunidade de Santa Teresita é pequena, dizem-me que tem cerca de 500 habitantes, e embora seja tempo de férias escolares e devessem ter mais tempo livre, é também a estação das chuvas e têm muito trabalho nos campos para preparar as plantações. Muitas famílias mudam-se literalmente para as suas terras e ficam lá de segunda a sexta-feira, para não perderem tempo a ir e vir.

O alimento básico é a mandioca, mas também há culturas de milho, cacau e café, bem como muitas variedades de fruta. Apesar disso, as crianças recebem uma alimentação deficiente, sobretudo devido à falta de proteínas. A bebida que está sempre presente é o masato, que é feito de mandioca, milho, arroz e ananás, e consumido como sumo ou como álcool quando se deixa fermentar. Acho que, aqui, é a bebida ritual. Serve-se aos convidados e ficam num círculo, passando um recipiente de cabaça em que servem a bebida e vão conversando durante horas e horas.

De segunda a sexta-feira durante a manhã, Alex e Francisco dedicam-se sobretudo a dar apoio escolar a um grupo de cerca de 15 crianças. É bonito ver os nossos jovens missionários entrarem «descalços» num ambiente destes e tornarem-se como eles, perguntando-se como oferecer respostas que gerem vida encarnada, acolhendo as carências que se vivem no dia-a-dia e propondo soluções para uma vida mais digna.

 

Encontros singulares

Uma noite, quando Alex, Francisco e eu prolongávamos a nossa caminhada, encontrámos a família Shoente Pichuca, constituída por Mariano, o catequista da comunidade, a sua mulher e os seus seis filhos. Depois das apresentações e dos primeiros diálogos, começámos a falar da filha mais velha, Lisbeth Mayli, que já terminou a escola e quer ir para a universidade estudar Engenharia do Ambiente. Quando lhes perguntamos como o iam fazer, eles responderam: «Cómo será, pois, padrecito?», uma expressão coloquial que se pode traduzir literalmente «Como é que vai ser, pois, padrezinho?», mas, realmente, significa «não sabemos / já veremos como o vamos fazer». É evidente que Lisbeth precisa de uma bolsa de estudo. Mas, para a conseguir, necessita da solidariedade, que é uma forma de justiça distributiva e reparadora para que uns e outros possam viver com dignidade.

Tenho muitos outros encontros para relatar. Penso em Rosa, a líder que me ofereceu a sua hospitalidade e me informou sobre a cultura nomatsiguenga, e na mulher doente que, juntamente com o padre David, levámos para o hospital quase à força, porque ela tinha muito medo dos cuidados de saúde oferecidos nos estabelecimentos de saúde. Recordo a visita à escola de São Daniel Comboni em Pango ou o centro cultural em construção onde queremos trabalhar no acompanhamento dos povos indígenas. Contarei tudo isto numa outra ocasião, talvez quando terminar o meu serviço no centro de formação de Lima e me for dado o privilégio de acompanhar a missão a partir deste território e deste grupo de pessoas. Talvez então, tal como David, eu aprenda a língua nomatsiguenga. 

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Novembro 2025 - nº 762
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