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09 setembro 2019

«Eu quero ser como eles!»

Tempo de leitura: 8 min
O P.e Filipe Resende partilha connosco a alegria da vocação missionária e do trabalho evangelizador no Quénia.
Redacção
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O P.e Filipe Resende, missionário comboniano, é natural de Nogueira do Cravo, concelho de Oliveira de Azeméis. Começou o caminho de discernimento vocacional aos 15 anos. Sobre o chamamento de Deus para a vida sacerdotal e missionária, comenta: «Foi aos 10 anos que um sacerdote me perguntou se um dia não gostaria de ser como ele. Recordo ainda hoje o tom da voz e o impacto que aquelas palavras tiveram em mim. Tanto que logo disse aos meus pais que gostaria de ser padre. Aquilo que me entusiasmava era a forma como os padres falavam de Deus, como entendiam das coisas de Jesus e, sobretudo, como ajudavam as pessoas com os seus conselhos. Queria ser como eles. Uns dois ou três anos mais tarde conhecia os Missionários Combonianos e uma outra faceta dos padres – os padres missionários: partiam para ajudar a fazer chegar a povos mais pobres e longínquos a palavra de Jesus bem como respondiam a outras necessidades mais básicas como a educação e a saúde. Era mesmo aquele tipo de padre que eu queria ser».

A simplicidade do povo Pökot

Depois de vários anos de formação em Portugal, o jovem Filipe, com 22 anos, partiu para o Quénia em 1997. Viveu nesse país africano, «um lar acolhedor para um coração missionário», por quase dezasseis anos. «Cheguei para estudar! Mas aquilo que mais me marcou neste lindo e saudoso período da minha vida foi o facto de poder, por fim, conhecer e viver um pouco a vida missionária que me tinha entusiasmado quando conheci os Missionários Combonianos. Conheci e participei no trabalho missionário entre o povo pastor chamado Pökot. Seja o trabalho de evangelização, seja o trabalho de desenvolvimento humano. Enamorei-me desta vocação, deste povo e desta forma de viver junto com um povo simples e com uma cultura tão rica e tão profunda. Em 2002, quando terminei a formação teológica, devendo regressar a Portugal para a minha ordenação sacerdotal, sabia que em breve iria regressar a este país e a este povo que trago no coração», refere o missionário.

Voltar para onde ficou o coração

Depois da ordenação o P.e Filipe ficou seis anos em Portugal. Regressou ao Quénia no final do ano 2008. «Tinha de regressar ao lugar onde tinha deixado o coração! Tive a graça de viver a minha vida missionária entre os Pökots na missão de Kacheliba, no Noroeste do Quénia, a cerca de 500 km de Nairobi, a capital do país. Posso com toda a clareza dizer que estes cinco anos (2008 a 2013) foram os anos mais bonitos da minha vida. Muitos desafios, obviamente. Aprender uma língua nova, o suaíli, para poder falar de Jesus, foi o primeiro desafio. Mas mais desafiante ainda foi o trabalho de ir conhecendo a cultura pökot com todas as suas manifestações culturais tão diferentes das nossas ocidentais e perceber que, afinal, Deus, que na sua língua chamam de Töroröt, já ali estava bem presente no quotidiano das suas vidas.» E comenta que nesse tempo aprendeu «a deixar de lado o Deus dos livros de Teologia e dos tratados e sumas teológicas para passar a perceber um Deus mesclado e embebido nas relações e tarefas diárias deste povo». E sublinha: «Era um Deus que está presente em tudo e sobretudo, por exemplo, nas tradições e ritos de passagem da juventude para a idade adulta ou na cerimónia de purificação e reconciliação entre as famílias da mãe grávida prestes a dar à luz o seu primeiro descendente e a família do seu marido. O missionário vem mesmo para partilhar a sua fé, mas ser sempre e mais enriquecido pela fé daqueles a quem evangeliza».

Na periferia de Nairobi

Em 2014, surgiu um novo desafio para o P.e Filipe. Foi convidado a trabalhar na periferia da capital do Quénia. «Durante cinco anos fui o pároco da nossa paróquia de Kariobangi, nos bairros-de-lata de Nairobi. O trabalho já não era o da primeira evangelização, mas sim uma reevangelização e, sobretudo, de reafirmação da dignidade e direitos básicos do ser humano num contexto social muito difícil. Nesta missão foi-me pedido evangelizar por meio da promoção da dignidade de cada pessoa nas suas necessidades mais básicas. Num espaço de 3,5 km2 habitavam – ou devemos dizer empilhavam-se – cerca de 450 mil pessoas! Uma paróquia com três zonas em que cada uma mais parecia uma paróquia em si mesma». Refere o P.e Filipe que ele e os quatro colegas serviam pastoralmente cerca de 70 pequenas comunidades cristãs, servindo uns 30 mil católicos. Dedicam-se ao trabalho pastoral e ao serviço de administração, coordenação e direcção de vários projectos sociais e pastorais. «A comunidade comboniana responde com vários projectos aos flagelos sociais deste tipo de realidades das periferias da cidade», explica. «O dispensário clínico e a clínica Comboni Health Programme respondem às necessidades de saúde da população com incidência nas pessoas a viver com o VIH/sida e crianças com deficiências físicas e mentais. A sobrepopulação impedia as escolas governamentais de responder eficazmente às necessidades de educação básica da população. Por isso a comunidade administra três escolas primárias em que uma é mais dedicada à população de órfãos ou de crianças de famílias disfuncionais. O centro de reabilitação e reintegração de jovens de rua é outra resposta desta comunidade. O grupo Provida acolhe, aconselha e acompanha cerca de 30 adolescentes grávidas prematuramente e rejeitadas pelas suas famílias. A promoção da paz e concórdia social entre os jovens numa sociedade multitribal por meio do desporto é outro projecto pastoral. Por fim, a comunidade tem o Instituto para a Promoção da Mulher, que proporciona a formação em hotelaria, costura, cabeleireiro e computação para jovens mães e adolescentes».

O P.e Filipe, parafraseando Ary dos Santos, afirma que a «missão acontece sempre e quando o homem (e a mulher também!) quiser!». E lança um convite às novas gerações: «Haja muitos e muitas que possam dizer: “Eu também quero ser como eles!”» 

 

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