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15 setembro 2019

Viver decididamente!

Tempo de leitura: 8 min
Discernir e viver a vocação é o desafio maior de uma vida que se deseja que seja vivida em plenitude. Não se pode, por isso mesmo, ficar sentado no sofá à espera que a vida aconteça.
Susana Vilas Boas
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Os dias sucedem-se uns aos outros e, sem darmos por isso, o desafio de saber ler e escrever dá lugar ao desafio de perceber outras línguas; o desafio de saber a tabuada converte-se numa luta para determinar o valor de x, numa matemática cada vez mais difícil! Ao nível pessoal acontece o mesmo: as grandes dificuldades de outros tempos agora parecem-nos simples e, muitas vezes, quase desprovidas de sentido. No entanto, os desafios que hoje se nos apresentam permanecem monstros gigantes que pensamos quase impossível vencer. Um dia, as lutas de hoje parecerão pequenos nadas e consideraremos quase ridículos os nossos medos actuais.

A vida é constituída por este emaranhado de altos e baixos que sempre nos põem à prova, sejam quais forem as nossas decisões e/ou escolhas de vida. Na verdade, procuramos sempre alcançar o mais possível – o melhor para nós – e, de preferência, desejamos chegar à meta sem obstáculos nem grandes canseiras; porém, a vida traz sempre surpresas imprevisíveis, dificuldades não imaginadas no momento de fazer opções e resultados que, muitas vezes, nem nos passariam pela cabeça! Que fazer? Como fazer opções de vida perante tantas possibilidades e dificuldades que se nos apresentam? Como ser feliz se todas as nossas escolhas parecem fechar caminhos e descontentar alguns dos que amamos? Não serão as nossas escolhas uma forma egoísta de nos posicionarmos na vida?

Uma vida fecunda

Estas inquietações e perguntas atravessam o nosso dia-a-dia e fazem-se presentes, sobretudo, nos momentos cruciais de optar. Contudo, temos de ter presente alguns princípios fundamentais que nos libertem de alguns medos e amarras que insistem em condicionar as nossas decisões.

Em primeiro lugar, se a vida é para ser vivida, enterrar a cabeça na areia não é opção! Temos mesmo de escolher! Não se trata de egoísmo, mas de vida – uma vida que queremos que seja vivida do melhor modo para nós e para todos os que amamos! Em segundo lugar, somos crescidos o suficiente para percebermos que, embora nem sempre nos pareça, não existem caminhos fáceis! A vida é sempre desafio e luta cheia de obstáculos. Portanto, já que temos de viver e combater as dificuldades do caminho, porque não trilhar um percurso de acordo com aquilo que consideramos ser a nossa vocação – o nosso caminho rumo a uma vida realizada?! Pelo menos, neste caso, estaremos a lutar e a suar a camisola por aquilo em que acreditamos e amamos! Uma vez mais, não se trata de egoísmo! As pessoas que amamos e que, de facto, nos amam querem, mais do que tudo, que sejamos felizes. Ao vencermos obstáculos rumo a essa felicidade, mesmo que nem todos o consigam perceber num primeiro momento, estamos a dar cumprimento ao desejo mais profundo que nos habita e que reside no coração dos que nos querem bem.

A vida que sonhamos para nós é uma vida sempre em descoberta. Não importará saber a quantos agradam ou desagradam as nossas escolhas, mas saber até onde desejamos que a nossa vida seja fecunda, geradora de vida e capaz de frutificar no mundo em que vivemos. É certo que, se sonhamos em grande (e a felicidade é sempre enorme!), não poderemos fugir a contratempos e a obstáculos, mas as escolhas simples também trazem dificuldades e, se não estiverem no seguimento dos nossos sonhos, trazem também angústia, frustração… infelicidade. Visto assim, e já que temos de fazer escolhas, então porque não seguir um caminho rumo a uma vida realizada?!

Ousar decidir

Viver a nossa vocação é o desafio maior de uma vida que se deseja que seja vivida em plenitude. Não podemos, por isso mesmo, ficar sentados no sofá à espera que a vida aconteça. Temos de ser nós a fazê-la acontecer, compreendendo que a vocação não “é fruto de um caos sem sentido, mas, pelo contrário, tudo pode ser inserido num caminho de resposta ao Senhor, que tem um projecto estupendo para nós” (Ex. apost. Cristo Vive, n.º 248). Assim, porquê desanimar ou ficar apático perante o presente e o futuro, se Deus permanece connosco e é o nosso trunfo para vencer todas as dificuldades?

Na medida em que percebemos este dinamismo da vocação, somos chamados a responder, isto é, a pôr os pés ao caminho, descobrindo que o que desejamos para a nossa vida é fruto de um capricho pessoal ou até dos nossos medos mais profundos, ou se, de facto, é o caminho que Deus sonhou para nós, um caminho que existe não porque Deus quer, mas porque vai ao encontro daquilo que verdadeiramente somos e àquilo que mais profundamente desejamos ser.

Neste sentido, a primeira grande decisão a tomar é a de pôr-se em descoberta, a partir daquilo que pensamos ser o nosso caminho. Essa decisão implica sempre passos concretos; passos, estes que são dados indo, primeiramente, ao encontro daqueles que nos podem, com credibilidade, ajudar a perceber se o caminho no qual estamos a dar os primeiros passos nos levará à felicidade e à realização de vida que desejamos. Muitas vezes sentimo-nos perdidos sem saber para que lado nos dirigirmos quando temos de dar estes primeiros passos. Mas, não será este sentimento fruto do nosso medo de decidir ou do nosso medo de falhar na escolha? Se repararmos bem, por exemplo, a nível escolar/profissional sabemos bem como escolher: se temos mais inclinação para letras, obviamente, não vamos para matemáticas! Do mesmo modo, nem que seja por exclusão de partes, no fundo, sabemos o que exige o primeiro passo no caminho vocacional. Então, porque não ousar decidir?

Viver decididamente

Viver decididamente é ousar fazer a experiência quotidiana de lutar por aquilo em que se acredita. É certo que isto implica ponderar cada decisão, mas também significa negar-se a viver apaticamente, indiferente face aos desejos existenciais mais profundos, à deriva ou ao sabor dos pareceres daqueles que nos rodeiam. Viver decididamente comporta responsabilidade, opções livres, ousadas e maduras, capazes de dar cor à nossa vida e ao mundo no qual vivemos.

A este respeito, alerta-nos o Papa Francisco que a vocação não é algo preestabelecido ou formatado. É antes um caminho sempre novo que, como dom de Deus, devemos abraçar e viver. Neste sentido, para viver plena e decididamente, «devemos ter a coragem de ser diferentes, mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, testemunhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos pobres, da amizade social» (Ex. apost. Cristo Vive, n.º 36).

Nada nos pode confinar a uma vida moribunda, resultante das escolhas de outros. A nada pode ser dado o poder de decidir por nós, em última análise, o poder de dizer que “não” ao dom de felicidade que Deus nos oferece. Nada nem ninguém poderá reduzir-nos à condição de escravos na nossa própria vida! Temos de viver decididamente! Rasgar caminhos e dar passos concretos para um discernimento capaz de nos ajudar a vencer os obstáculos e a chegar mais longe! Afinal, «se Deus está por nós, quem pode estar contra nós?» (Rm 8,31).

 

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