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27 abril 2020

A dor do desemprego

Tempo de leitura: 10 min
A falta de trabalho decente, combinada com o aumento do desemprego e a persistência de desigualdades, impede milhões de pessoas de construírem uma vida melhor graças ao seu trabalho.
Carlos Reis
Jornalista
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A quantidade de pessoas desempregadas no mundo deve aumentar este ano para mais de 190 milhões. Depois de permanecer relativamente estável nos últimos nove anos, a taxa de desemprego global foi de 5,4% em 2019, o desemprego global está a aumentar novamente devido à desaceleração do crescimento económico. A actual incerteza global já está a ter um efeito negativo no mercado de trabalho nos países de alto e médio rendimento.

No início de 2020, as previsões da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontavam para o aumento do número de desempregados em 2,5 milhões, o que era justificado por, enquanto a força de trabalho aumenta, não estarem a ser criados empregos suficientes para absorver os recém-chegados ao mercado de trabalho. «Para milhões de pessoas comuns, é cada vez mais difícil construir uma vida melhor graças ao trabalho», comprovava Guy Ryder, director-geral da Organização Internacional do Trabalho.

Agora, é o Fundo Monetário Internacional que apela a que os Estados procedam rapidamente para impedir que a crise da pandemia do novo coronavírus provoque danos permanentes para famílias e empresas. É preciso evitar que se rompa «a rede de relações económicas e financeiras entre trabalhadores e empresas em todo o mundo», antecipa Gita Gopinath, economista-chefe do FMI. Os governos devem reforçar a protecção a desempregados, aumentando a duração de benefícios ou moderando as exigências para obtê-los, preconiza a instituição.

Sobre o desafio de reduzir o desemprego, a Organização Internacional do Trabalho identifica falta de oportunidades para aqueles que desejam trabalhar. Isso inclui os que gostariam de mudar de emprego precário, a tempo parcial ou termo certo para a tempo inteiro e com contrato sem termo, mas ficaram tão desencorajados que desistiram de procurar, o que é referenciado como desalento.

«Tragédia mundial»

Outra fonte de preocupação é o facto de uma em cada cinco pessoas no mundo com menos de 25 anos não estar empregada, não estudar ou estar em formação.

«A persistência e a amplitude da exclusão e das desigualdades relacionadas com o trabalho impedem que eles encontrem emprego decente e forjem um futuro melhor. Esta é uma conclusão extremamente preocupante que tem sérias e alarmantes repercussões na coesão social», alerta Guy Ryder.

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Desempregados praticam jogos de mesa em Monróvia, Libéria. Uma em cada cinco pessoas no mundo com menos de 25 anos não está empregada, não estuda ou está em formação (Foto Lusa)

O Papa Francisco considera mesmo como «uma tragédia mundial nestes tempos, os que perderam o próprio emprego ou não conseguem encontrá-lo». O pontífice entende que o Dia do Trabalhador é e será «um recorrente convite à sociedade moderna a realizar aquilo que ainda falta à paz social».

O acesso ao emprego remunerado não garante trabalho decente. Quase 61% da força de trabalho do mundo realiza trabalhos informais e mal remunerados ou que oferecem pouco ou nenhum acesso à protecção social e aos direitos laborais.

Da mesma forma, mais de 630 milhões de trabalhadores no mundo (uma em cada cinco pessoas na população activa) vivem em condições de pobreza extrema ou moderada. A agência multilateral das Nações Unidas espera que este fenómeno aumente em 2020 e 2021 nos países em desenvolvimento.

«Os mais de 3,3 mil milhões de pessoas empregadas no mundo não têm níveis adequados de segurança económica, bem-estar material ou oportunidades para avançar», denuncia a OIT.

O relatório World Employment 2019 ressalva que «ser um empregado assalariado nem sempre garante padrões de vida decentes». Segundo Damian Grimshaw, director de pesquisas da organização, «mais de 700 milhões de pessoas vivem na extrema ou moderada pobreza apesar de terem emprego».

Em todo o mundo, a parcela do rendimento nacional criada pela força de trabalho diminuiu substancialmente entre 2004 e 2017, caindo de 54% para 51%. A queda mais pronunciada verifica-se na Europa, Ásia Central e América Latina.

Emprego de baixa qualidade

O estudo World Employment 2019 mostra que a pobreza entre trabalhadores caiu nos países de médio rendimento nas últimas três décadas, apesar de os países menos desenvolvidos verem um aumento do número de trabalhadores nessa condição.

«Isto ocorre porque o ritmo da redução da pobreza não deve acompanhar o crescimento do emprego nas economias emergentes», explica a Organização Internacional do Trabalho.

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Vendedora de rua na Índia. Mais de 700 milhões de pessoas vivem na extrema ou moderada pobreza apesar de terem emprego (Foto 123RF)

Os dados indicam também que 360 milhões de pessoas no mundo trabalham em empresas familiares, e 1,1 mil milhões por conta própria, frequentemente em actividades de subsistência, na ausência de oportunidades de emprego ou falta de sistemas de protecção social. A instituição questiona mesmo se a taxa de desemprego é a medida mais confiável do mau funcionamento do mercado de trabalho, visto que o emprego já não é garantia de segurança pessoal e familiar e de perspectiva de futuro, pois a remuneração e os direitos têm piorado.

O nível de desenvolvimento de um país está ligado à disponibilidade de trabalho razoavelmente bem pago ou protecção social adequada para aqueles que precisam, conquistas que ainda estão longe do alcance de muitos. O estudo da OIT nota ainda que «as novas tecnologias ameaçam minar» conquistas dos trabalhadores como o subsídio de desemprego, a negociação colectiva e o direito do trabalho. «Só encontraremos o caminho para o desenvolvimento sustentável e inclusivo se combatermos as desigualdades no mercado de trabalho e facilitarmos o acesso ao emprego decente», resume Stefan Kuhn, autor do estudo.

Juntos, o emprego de baixa qualidade, o desemprego e a desigualdade de género estão a contribuir para o desacelerar do progresso para atingir o Objectivos de Desenvolvimento Sustentável de emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. 

Sofrimento agudo: a necessidade do apoio social

O desemprego tem consequências individuais e sociais que requerem intervenções de políticas públicas. Para o indivíduo, o desemprego pode causar sofrimento psicológico, o que pode levar a um declínio na satisfação com a vida. Também pode levar a distúrbios de humor e abuso de substâncias estupefacientes. O desemprego pode ainda afectar a atribuição do estatuto social, que se manifesta através da estigmatização, rotulagem, julgamento injusto e marginalização.

A especialista em assistência social Melinda Du Toit, investigadora na Universidade de Joanesburgo, na África do Sul, pesquisa experiências de desempregados no país com alta taxa de não remunerados. O seu estudo Unemployment Experiences in Context, publicado no Journal of Psychology in Africa revela um sentimento de desespero entre desempregados dos 20 aos 64 anos.

Participantes no estudo sob os pseudónimos Rihanna, Sunshine, Star e Sionist, referem o desemprego usando descrições negativas, como «um enorme monte de lixo cheio de coisas ruins», «a vida acabou», «perigo e morte», «uma sepultura artificial» e «um monstro». Um jovem explica que o desemprego trouxe «um coração negro cheio de tristeza e dor; o coração está partido, zangado, dolorido e triste».

O desemprego é uma experiência extremamente negativa, associado ao stress, depressão e ansiedade. Sentimentos de frustração e indignação são fortes e frequentes, principalmente dirigidos ao governo e ao fracasso das políticas económicas.

A maioria dos desempregados considera o seu ambiente local como «não favorável», ao relatarem experiências de estigmatização e vergonha, porque acreditam que a sociedade os percepciona como não tentando seriamente o seu melhor para encontrar trabalho. Explicam que são duramente julgados pelos membros da comunidade, que os descrevem como «preguiçosos».

 

Maiores taxas de desemprego

5,4% – Taxa global

29,9% – Cisjordânia e Gaza

27,3% – África do Sul

23,5% – Lesoto

23,2% – Namíbia

22,9% – Suazilândia

Fonte: ILOSTAT 2019

 

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