Opinião
18 outubro 2023

Corações a vibrar e pés a caminhar

Tempo de leitura: 4 min
O Papa Francisco fala da necessidade de termos o coração ardente e os pés em caminho.
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionário comboniano
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(© cardaniepb/cathopic)

 

Na série de reflexões sobre a missão cristã hoje (que começou em Março passado e que evocamos no mês missionário), o Papa Francisco fixa-se nas emoções, nos sentimentos adequados para vivermos a missão. Diríamos que ele privilegia a ortopathia (de pathos, emoção), a recta emoção, sobre a ortodoxia (a recta doutrina).

Os sentimentos e as emoções contam, e muito, sobretudo na nossa cultura que vive de imagens e emoções, de sentimentos imediatos. Mas se o nosso interesse pelas atitudes e emoções condignas à evangelização for só este – isto é, de sintonizar com a cultura dominante – correremos o risco de nos movermos num terreno muito movediço, como movediças (no sentido que duram pouco) são as emoções que correm, por exemplo, nas redes sociais.

As emoções são importantes porque ajudam a compreender o contexto humano em que nos movemos e em que temos de confiar às palavras e ao testemunho o anúncio cristão que fazemos. O papa fala da necessidade de termos o coração ardente e os pés em caminho: indica assim, por um lado, o zelo apostólico com que os discípulos-missionários somos chamados a viver; e, por outro, a identidade mais profunda da Igreja, que é missionária, isto é, uma comunidade em saída, em êxodo contínuo para levar a alegria do Evangelho de Jesus a todos, pessoas e povos.

Do ponto de vista das ideias, Francisco não está agora a dizer nada de novo nestas reflexões sobre a evangelização: já tinha exposto estes conceitos (do zelo necessário para evangelizar, e da natureza missionária da Igreja), na A Alegria do Evangelho. E outros papas antes dele o fizeram, sobretudo no seguimento do Concílio Vaticano II e da abertura da missão aos leigos, homens e mulheres. Mas, agora, o acento é insistente e oportuno pois importa recuperar, no nosso tempo e espaço emocional, os sentimentos fortes que sempre caracterizaram os discípulos-missionários. Por isso, o Papa Francisco tem repetido o apelo aos sacerdotes e ministros da Palavra a reverem os seus esquemas de homilia e pregação; não basta expor uma ideia, é preciso um sentimento e uma ligação directa à vida das pessoas (uma história). A eficácia da Palavra não depende das ideias brilhantes ou da duração longa das homilias; e não falta quem garanta que «se os sacerdotes nas suas homilias começassem a falar das suas debilidades (dos seus sentimentos, dificuldades, crises...) as pessoas não começariam logo a olhar para o relógio, como fazem...».

Nas palavras do Papa Francisco, as Igrejas da Europa «aparecem envelhecidas e cansadas». E não é preciso que o papa o diga, pois todos nós – institutos, congregações, paróquias e dioceses, movimentos – nos sentimos cansados, sem forças para enfrentarmos os desafios do caminho, para surfarmos a onda do futuro. Falta-nos o tal sobressalto do Espírito, o fogo no coração e a força nas pernas para caminharmos com vigor pelos caminhos do Evangelho. Lamentamo-nos, queixamo-nos da falta de calçado, quando o problema é a falta de forças para nos metermos ao caminho, pelos percursos novos que se abrem ao Evangelho no nosso tempo. Por isso, cada início de ano pastoral o mais importante a fazermos é aquecer o coração e pormos os pés a caminhar!   

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