Opinião
22 dezembro 2023

Procurando um rosto

Tempo de leitura: 4 min
A leitura da síntese final do sínodo confirma que a assembleia foi algo marcante para aqueles que viveram esta experiência de Igreja sinodal em missão.
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionário comboniano
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(© Lusa/ EPA/Angelo Carconi)

 

Escrevi este texto, que agora comparto com os leitores, no passado Dia de Todos os Santos, uma celebração toda ela contemplativa, à procura de olhos para ver o invisível e contemplar o rosto mais belo da Igreja no rosto dos santos; à procura do rosto mais genuíno e da identidade mais profunda da nossa vocação cristã, que é santidade, beleza, plenitude da Vida. Onde vivo, o dia foi escuro, com o céu coberto de nuvens a ameaçar chuva. A Natureza não ajudou a esse sobressalto de beleza que os dias amenos e o céu azul do Outono romano nos oferecem. Dediquei a tarde à leitura da síntese final do sínodo, como acabou por ser chamado o texto saído do xvi Sínodo Geral dos Bispos da Igreja Católica.

A leitura confirma que a assembleia foi algo marcante para aqueles que viveram esta experiência de Igreja sinodal em missão (é este o título do texto), uma Igreja a procurar embelezar o seu rosto à volta de três palavras-chave: comunhão, participação e missão. Nas suas partes centrais – o Rosto de uma Igreja Sinodal e Todos Discípulos Todos Missionários – o texto procura transmitir algo desta experiência, um objectivo certamente difícil dado o carácter pessoal da experiência. Um texto a pedir uma leitura generosa, aberta à comunhão e à partilha interior, que enriquece quem escreve e quem lê.

Ao lermos o texto, percebemos que os participantes se situaram plenamente no tempo eclesial que estamos a viver com o Papa Francisco (a que já aqui acenámos e que vai sob o nome de ortopatia, isto é, do predomínio das emoções sobre as razões); como no contexto cultural em que estamos, onde a importância vai para as emoções e as imagens que as podem provocar (como vemos na cultura das redes sociais e da globalização) mais do que para as razões (para a veracidade, razoabilidade) das coisas.

Um bispo que viveu esta marcante experiência sinodal confidenciava, ao pensar no regresso à diocese, que agora nada voltaria a ser como dantes. A ouvi-lo, fiz de advogado do diabo, referi-lhe a opinião de observadores que pensam que os participantes no sínodo falaram de tudo para deixarem tudo como está. Isto é, não basta actualizar a narrativa para mudar a realidade. Ele sorriu e referiu que as decisões chegarão na sessão final, em Outubro de 2024. Por elas aguardam muitos na Igreja, a começar pelos que esperam por uma reflexão sobre os modelos do exercício dos ministérios ordenados, como condição para alterações no modelo de sacerdócio que conhecemos.

Num dos últimos dias do sínodo, o Papa Francisco criticou o clericalismo (e deu uma tareia aos padres que frequentam as alfaiatarias de renome para encomendarem roupas de luxo). Algum jornalista malicioso sorriu e anotou que ele faria melhor em nomear, mais que os padres, os bispos e os cardeais... Eu também sorrio e lembro-me de S. Agostinho para terminar: «Oh Beleza sempre antiga e sempre nova... Eu procurava-te fora de mim e Tu estavas em mim, mais íntima a mim que eu mesmo!» Sim, acabamos sempre por procurar a beleza onde ela não está, não só os padres, os leigos também, homens e mulheres por igual. 

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