Opinião
12 julho 2024

Viver em processo de conversão ecológica

Tempo de leitura: 4 min
O processo contínuo de conversão ecológica exige uma visão crítica e a adopção de procedimentos coerentes com uma ecologia integral.
Bernardino Frutuoso
Director
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A capa desta edição da Além-Mar destaca Davi Kopenawa, líder e porta-voz dos Ianomâmis que desde a década de 1980 tem denunciado a dramática situação de destruição que afecta a Amazónia e seus povos (como o fez no passado dia 10 de Abril, depois de se ter encontrado em privado com o Papa Francisco). Actualmente, o território indígena ianomâmi sofre os efeitos das mudanças climáticas e, sobretudo, do flagelo da mineração ilegal, que tem feito com que os seus quase 30 mil habitantes sofram fome, doenças e falta de assistência. 

Na reportagem que publicamos (páginas 16-23), Davi explica que escreveu o livro A Queda do Céu – um relato na primeira pessoa sobre a sociedade, a história e a cultura do povo ianomâmi – porque a sociedade hodierna não escuta. Na obra explica a cosmovisão indígena, diz que são filhos de Deus e criados para viver em harmonia com a floresta, mas que o assalto às riquezas naturais da Amazónia (madeira tropical, ouro e outros minerais) perpetrado nas últimas décadas aniquilou parte do seu povo e destruiu o território: «Somos habitantes da floresta. Os nossos ancestrais habitavam as nascentes dos rios muito antes de os meus pais nascerem, e muito antes do nascimento dos antepassados dos brancos. Antigamente, éramos realmente muitos e as nossas casas eram grandes. Depois, muitos dos nossos morreram quando chegaram esses forasteiros com suas fumaças de epidemia e suas espingardas. [...] Às vezes até tememos que os brancos queiram acabar connosco.»

Os povos originários têm sido acompanhados pela Igreja, em particular através do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Tem como objectivo «testemunhar e anunciar profeticamente a Boa Nova do Reino, ao serviço dos projectos de vida dos povos indígenas, denunciando as estruturas de dominação, violência e injustiça, praticando o diálogo intercultural, inter-religioso e ecuménico, apoiando as alianças desses povos entre si e com os sectores populares para a construção de um mundo para todos, igualitário, democrático, pluricultural e em harmonia com a Natureza, a caminho do Reino definitivo». Nessa linha, o Sínodo da Amazónia, que se realizou em 2019, lançou um apelo à Igreja universal, convidando todos os fiéis a entrar numa dinâmica de conversão e cuidado da Casa Comum. Propõe-nos, igualmente, ser uma Igreja que acolhe, que dialoga, onde os diferentes ministérios têm espaço – também as mulheres –, vivendo em atitude de saída e compromisso com a vida e os mais pobres.

No dia 9 deste mês, celebramos o Dia Internacional dos Povos Indígenas, que visa aumentar a consciencialização sobre a importância desses povos e promover os seus direitos. É uma oportunidade para que, como pediu o Papa Francisco no passado dia 14 de Março, a comunidade internacional ouça os povos indígenas e aprenda «com a sua sabedoria e o seu estilo de vida» quanto à protecção ambiental. Todos nós estamos chamados a viver num processo contínuo de conversão ecológica, reconhecendo as atitudes e mentalidades que nos impedem de nos conectarmos connosco mesmos, com os outros e com a Natureza. Um caminho que exige uma visão crítica e a adopção de procedimentos coerentes com uma ecologia integral

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Editorial
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EDIÇÃO
Julho 2024 - nº 748
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