Opinião
12 junho 2024

Missão como Testemunho

Tempo de leitura: 4 min
A transformação do discípulo em testemunha é obra do Espírito Santo.
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionário comboniano
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No mês passado, concluímos a celebração da Páscoa com a Liturgia do Pentecostes, da vinda do Espírito de Jesus sobre os apóstolos e a comunidade cristã nascente. A Páscoa de Jesus é um mistério único, um dia que não tem ocaso e inaugura a nova criação, os novos tempos. Mas na liturgia, que é a primeira e mais fundamental iniciação cristã, o mistério da Páscoa do Senhor é estendido no tempo, celebrado em vários momentos, para permitir a sua compreensão, sempre a aprofundar, e a sua vivência, sempre a renovar. 

Neste contexto da celebração da Páscoa do Senhor, a missão cristã aparece-nos como «anúncio» e como «testemunho», que podemos explorar como os primeiros modelos da missão cristã. Da «missão como anúncio» escrevemos aqui no mês passado; agora impõe-se-nos discorrer sobre o modelo da «missão como testemunho».

Na narrativa dos Actos dos Apóstolos a palavra «testemunha» aparece de uma maneira inconfundível, que determina a narrativa. Antes de mais, na consciência e nas palavras dos apóstolos que, repetidamente e diante do povo e das autoridades de Jerusalém, declaram: «Nós somos testemunhas de tudo isto.» Referem-se ao processo feito a Jesus e à sua condenação à morte pelas mãos do poder romano e afirmam a acção de Deus, que responde à acção dos homens ao exaltar Jesus na sua ressurreição.  No tribunal, então como agora, é fundamental que a testemunha tenha visto, tenha conhecimento directo e pessoal dos factos, para poder ser acreditada como tal. Os apóstolos assumem-se como tais testemunhas, sem medo das consequências.

A palavra «testemunho/a» aparece, antes ainda, nos encontros com Jesus ressuscitado, como mandato que Jesus dá aos seus apóstolos:
«E sereis minhas testemunhas aqui em Jerusalém, na Samaria e na Judeia, até aos confins do mundo.» Jesus não só deixa um mandato, «ide por todo o mundo», mas define esse mandato como testemunho! Por isso é que o mandato missionário de Jesus, como justamente faz notar o Papa Francisco, é essencialmente testemunho, por palavras e por obras, e não proselitismo, ou conquista de espaços, ou domínio de pessoas. 

A transformação do discípulo em testemunha é obra do Espírito Santo, como nos recorda cada celebração do Pentecostes: Jesus promete e envia o Espírito como testemunha e mestre interior, como paráclito, isto é, força para o testemunho. A história da missão cristã, que aqui não podemos recorrer, ensina que o testemunho dos discípulos é sempre posto à prova, assediado por fraquezas e contradições. No seguimento do Concílio Vaticano II, o modelo da missão como testemunho voltou a estar no centro as atenções. O Papa Paulo VI recordou-nos que as pessoas do nosso tempo resistem aos mestres, às teorias; e se aceitam os mestres é porque eles são antes de mais testemunhas.

A Igreja vive hoje uma crise de credibilidade, entre outras coisas por causa dos abusos cometidos pelo clero, uma situação que fragiliza o modelo da missão como testemunho e que põe à prova todos aqueles e aquelas que na comunidade se propõem viver o mandato missionário de Jesus como testemunho. Não nos resta outro caminho senão aceitar esta purificação e ir ao encontro das pessoas com autenticidade de vida e confiança no Espírito, o protagonista da missão, que continua a guiar os missionários e a sustentar a vida das comunidades cristãs.   

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