Opinião
03 junho 2025

Leão XIV e a Quarta Revolução

Tempo de leitura: 4 min
A Quarta Revolução será um inequívoco desafio pastoral porque afectará a vida de todo o ser humano, a sua dignidade, sentido de justiça e trabalho.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Vivemos na quarta revolução da visão do mundo e o Papa Leão XIV, ao referir a questão da inteligência artificial (IA) subjacente à escolha do nome, assume este como um desafio para a missão cristã no futuro.

A primeira foi a revolução espacial que aconteceu com Copérnico ao ampliar a nossa noção de espaço da Terra ao Cosmos.
A segunda revolução foi temporal e aconteceu quando Darwin ampliou a nossa noção da vida à de uma evolução ao longo de muitos anos. A terceira revolução é mais subtil, a mental, que aconteceu com Freud e a ideia do inconsciente ou uma maior apreensão da realidade da nossa consciência.

Segundo o filósofo Luciano Floridi, a quarta revolução é a informacional onde nos tornamos, juntamente com as máquinas, inforgs ou organismos informacionais, conectados através da infosfera e partilhando um espaço de acção com o mundo artificial por nós criado. Esse mundo começou a ser habitado por agentes virtuais com os quais interagimos diariamente.

Há dias precisei de esclarecer um assunto sobre o pagamento do alojamento do meu site e o agente que a empresa me facultava para interagir era, por padrão, o virtual. Para poder estabelecer um diálogo aberto, sem que estivesse restrito à base de dados das questões mais comuns, precisei de explicitar a necessidade de conversar com um “agente humano”. A expansão da agência baseada em IA será útil por não estar restrita aos ritmos normais de um humano que precisa de voltar a casa do trabalho. Uma IA não dorme, não come (embora precise de electricidade para alimentar os servidores), não julga, não perde a paciência, não se cansa e procura ser sempre simpática sem qualquer hipocrisia. Tudo isto porque não sente nenhuma emoção. Quando queremos resolver problemas técnicos e directos, uma IA será o ideal, mas se existirem nuances relacionadas com aspectos ou fases particulares da nossa vida, a compaixão, a compreensão, o pôr-se no lugar daquele que sofre com o problema exige um coração humano.

Os problemas da revolução industrial que levaram Leão XIII a escrever a Rerum Novarum são diferentes dos desafios que começamos a enfrentar com a quarta revolução informacional prenhe de agentes virtuais nos quais as empresas começam a conferir algum poder de decisão. As questões éticas e de responsabilidade são enormes e sérias.

Um papa cuja escolha é uma inspiração do Espírito Santo implica que Deus vê o sentido para onde tende o mundo e oferece-nos um pastor para nos orientar pelos montes e vales da vida profunda. A Quarta Revolução será um inequívoco desafio pastoral porque afectará a vida de todo o ser humano, a sua dignidade, sentido de justiça e trabalho. Porém, não serão apenas as questões relacionadas com a justiça social e o trabalho, mas também com a vida das nossas comunidades onde há décadas que os agentes virtuais começaram a entrar através de toques de telemóvel durante a consagração eucarística. Ainda não é claro o caminho a seguir, mas a eleição de Leão XIV é um sinal de Deus Connosco.   

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Junho 2025 - nº 758
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