Opinião
07 junho 2025

O amigo que partiu

Tempo de leitura: 3 min
Francisco foi um grande amigo da África – continente que descreveu como cheio de vida –, tendo visitado dez dos seus países.
P. José Vieira
Missionário Comboniano
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@Lusa

 

Quando o cardeal camerlengo Kevin Farrell anunciou que o Papa Francisco regressou à casa do Pai na manhã de 21 de Abril de 2025, as redes sociais entraram em grande bulício e a notícia chegou-me através delas.

Francisco foi um grande amigo da África – continente que descreveu como cheio de vida –, tendo visitado dez dos seus países: Quénia, Uganda e República da África Central, em 2015; Egipto, em 2017; Moçambique, Madagáscar e Maurícias, em 2019; e República Democrática do Congo e Sudão do Sul, em 2023.

A África e as suas situações encontraram voz e vez nas suas exortações apostólicas Alegria do Evangelho, Alegria do amor e Alegrai-vos e exultai e nas encíclicas Laudato Si´ e Fratelli tutti. Na visita ao Congo o Papa Francisco foi veemente: «Tirem as mãos da África! A África não é uma mina para ser despojada nem um terreno para ser pilhado.»

O cardeal Fridolin Ambongo, arcebispo de Kinshasa (RD Congo) e presidente do SECAM, o Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar, escreveu numa nota de pesar que Francisco dedicou tempo «a compreender as nossas realidades, a ouvir as nossas histórias e a amplificar as nossas vozes na cena mundial. As suas visitas a vários países do continente trouxeram esperança e amor a inúmeras pessoas e reafirmaram o empenhamento da Igreja em ser uma família».

Francisco tinha uma preocupação e um carinho particulares pelo Sudão do Sul. Convidou, inclusive, os seus dirigentes para um retiro no Vaticano em Abril de 2019 e ajoelhou-se e beijou os pés do presidente Salva Kiir Mayardit e de alguns dos seus vice-presidentes. O presidente Kiir, carpindo a morte do Bispo de Roma, escreveu: «O Sudão do Sul tinha um lugar especial no coração de Sua Santidade, o Papa Francisco. [...] O seu acto de bondade e humildade demonstrado na nossa visita a Roma em 2019, quando se ajoelhou para nos beijar os pés, foi um ponto de viragem para nós, os parceiros da paz.»

O arcebispo de Juba, cardeal Stephen Ameyu, disse à Vatican News que o falecido papa «era o nosso advogado. Perdemos o único advogado que recordava constantemente ao mundo a nossa guerra esquecida».

Alguns analistas da ala tradicional da Igreja culpam Francisco – injustamente – pelo caos que a declaração Fiducia supplicans sobre o significado pastoral das bênçãos – que permite abençoar individualmente pessoas em situação matrimonial irregular, incluindo homossexuais – criou na Igreja em África. Porém, o documento – que foi publicado em finais de Dezembro de 2023 – é assinado pelo cardeal Víctor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé. Perante a oposição vigorosa dos prelados africanos às bênçãos de homossexuais, Francisco reiterou em Janeiro seguinte que a declaração não seria aplicada no continente porque «a cultura não aceita isso».

Descansa na paz do teu Senhor, servo bom, humilde e fiel, e intercede pela tua África amada. 

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Junho 2025 - nº 758
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