São Francisco de Sales – século xvii – foi um dos grandes promotores da devoção ao Coração de Cristo, na vida da Igreja. Muitas pessoas desse tempo tinham caído numa maneira de entender a vida cristã como a submissão a uma infinidade de regras rigorosas de tal maneira que, sendo quase impossível obedecer a todas elas, as pessoas acabavam por se sentir sempre em pecado, por muito que se esforçassem. Em tal ambiente cresceu a sensação de vivermos longe da vida divina, uma vida de perfeição infinitamente longe da nossa, e Deus aparecia cada vez mais como um juiz que continuamente nos ameaçava com terríveis castigos pelos nossos incontáveis pecados. Muitos cristãos acabavam por viver no medo e na angústia de nunca conseguirem fazer a vontade de Deus.
Em vez disso, S. Francisco de Sales propõe que olhemos para o Coração de Cristo cheio do amor de Deus, a tal ponto que transbordava sempre para o coração dos cristãos. No Coração de Jesus, os crentes podiam encontrar, não ira pelos nossos pecados, mas uma morada acolhedora onde habitar, e onde receber «repouso, consolação e força». Chegou a usar imagens bonitas como o nome de cada um de nós estar escrito no Coração de Cristo, o que nos dá uma confiança infinita na sua bondade para com todos e com cada um.
Não era só «devoção sentimental». O Papa Francisco, na encíclica sobre o Coração de Jesus (ver o número 114 e seguintes), lembra como S. Francisco de Sales também dizia que o amor que transborda do coração de Cristo precisa do coração de cada um de nós, para continuar a «transbordar» para muitos outros corações. Não podemos ficar parados como simples recipientes dos dons de Deus. Temos de comunicar a muitos outros o amor que recebemos de Cristo. Mais ainda, ele propôs, como imagem verdadeira desse amor, um coração em chamas, atravessado por duas setas e circundado por uma coroa de espinhos: indicação clara de que o amor autêntico não se dá nem se recebe sem luta, renúncia e mesmo sofrimento.
Essa imagem, que ainda se vê em muitas igrejas, foi aperfeiçoada pelo Papa Pio XII, em tempos mais recentes, que considerou que algumas pessoas começavam a «adorar» esse coração em chamas, não como um símbolo, mas quase como uma realidade em si mesma. Pio XII esclareceu que aquela imagem era um símbolo da pessoa de Cristo. O amor ali representado era o amor vivido por uma pessoa concreta, Jesus Cristo. Por isso ele pediu que as imagens ou estátuas que se usavam para acompanhar as várias formas de oração ao Sagrado Coração de Jesus apresentassem sempre a figura de Jesus em «corpo inteiro», evidenciando o seu «coração ardente» no peito. Assim ficava claro que a devoção ao Coração de Cristo não se dirigia a uma coisa, um órgão, por muito santo que fosse, mas se dirigia à pessoa de Cristo, evidenciando o imenso amor que ele viveu e que continua a oferecer a todos.
Ficam na nossa memória as palavras que Santa Margarida Maria ouviu a Jesus que, numa visão, lhe mostrava o seu Sagrado Coração: «Olha o coração com o qual Deus tanto amou a Humanidade.»