Opinião
02 dezembro 2025

COP30: Quando a cura passa pela relação

Tempo de leitura: 3 min
A COP30 recorda-nos que a Casa Comum só se cura quando curarmos os relacionamentos.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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Há uma intuição que se torna cada vez mais clara: a crise climática não é apenas ambiental; é relacional. O clima altera-se quando as relações que sustentam a vida — entre pessoas, com a Natureza, com o sentido e com o futuro — se quebram. Por isso, na COP30, mais do que novos mecanismos técnicos, procuramos sempre os sinais de uma conversão mais profunda: aquela que transforma o modo como nos relacionamos e compreendemos uns aos outros e ao mundo. Sem isto, tratamos feridas superficiais, mas não curamos a doença.

Um documento recentemente apresentado pela ONG New Humanity (www.new-humanity.org) a que tive acesso aponta justamente para essa raiz relacional. Nele reconheço ecos de algo que há muito procuro pensar: a pessoa-como-comunhão, a realidade como tecido comuniocêntrico como chave para reencontrarmos um futuro comum. A proposta de um Observatório Ético-Relacional, por exemplo, revela esta convicção: não basta medir emissões; é preciso discernir a qualidade das relações que produzem essas emissões e aquelas que podem superá-las. Sem justiça, participação e equidade, a transição ecológica será sempre incompleta.

Também me interpelam os laboratórios de diálogo e reconciliação ecológica. Num mundo onde os conflitos pelo território, pela água ou pelos recursos se tornam mais frequentes, a paz nasce da capacidade de reconstruir a confiança. Esta visão lembra-me que a ecologia integral não é somente restaurar ecossistemas, mas restaurar relações — entre culturas, tradições, espiritualidades e comunidades. A ecologia torna-se, assim, uma arte de reencontro.

A proposta de pôr o cuidado como critério nas políticas públicas afigura-se-me quase como um regresso ao essencial. Cuidar é reconhecer a vulnerabilidade do outro e agir numa lógica de reciprocidade. Uma sociedade que cuida é uma sociedade que respira de forma diferente, onde a sobriedade não é renúncia, mas liberdade; não é perda, mas gratuidade. O Pacto Internacional de Sobriedade sugerido pela ONG lembra-nos que o combate às alterações climáticas passa também por uma conversão do consumo, onde gratuidade e responsabilidade caminham juntas.

Vejo igualmente com esperança a chamada “transição relacional”. Fala-se muito de transição energética, tecnológica ou económica. Mas poucas vezes se nomeia aquilo que realmente pode mudar o curso da História: a forma como nos relacionamos. De lógicas de dominação para lógicas de comunhão. De competir para partilhar. De extrair para regenerar. É aqui que a ciência, a espiritualidade e a comunidade podem — e devem — caminhar juntas, numa verdadeira aliança na direcção de uma fraternidade universal.

A COP30 recorda-nos que a Casa Comum só se cura quando curarmos os relacionamentos. Tornou-se fundamental recuperar a consciência de que existimos em relação, e que é na qualidade dessa relação que o futuro se escreve. A alteração climática é, antes de tudo, uma renovação do coração.

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EDIÇÃO
Dezembro 2025 - nº 763
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