Opinião
07 julho 2021

Implicações missionárias da Fratelli Tutti

Tempo de leitura: 3 min
A Fratelli Tutti estruturou o rumo de imensas implicações missionárias intrinsecamente ligadas a uma cultura do diálogo intercultural e inter-religioso.
Adelino Ascenso
Presidente dos Institutos Missionários Ad Gentes (IMAG)
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(© Além-Mar/José Rebelo)

Desenhavam-se diante de mim os vultos de habitantes de uma pequena aldeia na Anatólia Oriental, província de Van, no coração da remota Turquia. Avizinhava-se a noite fria e uma família muçulmana acolheu-me na sua casa, oferecendo-me uma refeição e alojamento. Sentei-me com os homens em redor da comida; vislumbrava as mulheres e as crianças numa outra sala. Gestos, sorrisos e acenos, em substituição de palavras não decifradas. Sentia avolumar-se, no meu íntimo, um aroma de base comum, sustentáculo humano que rompe as barreiras de denominações religiosas fechadas. Eles eram muçulmanos e eu era cristão, mas a nossa fraternidade era inclusiva.

«Deus “criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na dignidade, e chamou-os a conviver entre si como irmãos”». Estas palavras do documento assinado pelo Papa Francisco e o Grão-Imã Ahmad Al-Tayyeb (2019) traçaram a base sobre o qual nasceu a encíclica Fratelli Tutti, verdadeiro manancial de diálogo e amizade social. Depois de fazer um diagnóstico das nuvens que toldam o mundo, no qual prolifera a fragmentação aliada a um egoísmo avassalador que nos afasta uns dos outros, e de nos colocar perante a parábola do Bom Samaritano, interpelando-nos no nosso comportamento de cristãos, o Papa Francisco aponta para mais além, apelando à «cultura do encontro» (FT 216) e ao «exercício da amabilidade» (FT 224).

«Encontro» e «amabilidade» são dois substantivos que se revestem de grande actualidade e que constituem duas colunas nas quais se deve esculpir o edifício da fraternidade e da justiça. As religiões desempenham aqui um papel de suma importância. Não o surdo e velado esforço por converter o outro, mas sim uma humilde e desarmada predisposição para a escuta do diferente que me ajuda a crescer e a reforçar a minha própria fé.

«Adoptar a cultura do diálogo como caminho; a colaboração como conduta; o conhecimento mútuo como método e critério» (FT 285). Sem dúvida que nestas palavras, assumidas pelo Papa Francisco e pelo Grão-Imã Ahmad Al-Tayyeb, está resumido todo um programa que exige continuidade. A Fratelli Tutti estruturou o rumo de imensas implicações missionárias intrinsecamente ligadas a uma cultura do diálogo intercultural e inter-religioso. E este começa a partir de simples experiências concretas de encontro e amabilidade, em confiança e escuta sem reservas, tal como o espaço criado pelos meus anfitriões naquela pequena aldeia muçulmana na longínqua Anatólia Oriental.

(Publicação conjunta da MissãoPress)

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